quarta-feira, 20 de junho de 2012

CARTA A FILEMOM – ANTES INÚTIL; AGORA ÚTIL.




“Ele poderá ter sido de pouca serventia para ti, mas agora será muito útil tanto a ti como a mim.” (Fm 11).


  1. INTRODUÇAO.

A carta a Filemom é a mais breve das cartas de Paulo, com apenas 355 palavras no grego original. Ela pode ser considerada em bilhete pessoal. Escrita entre o ano 61 e 62 d.C. no inicio da prisão de Paulo em Roma é um apelo do apóstolo a Filemom para que fosse benevolente com Onésimo, um escravo fugitivo.

Onésimo fugiu do seu senhor, que morava em Colossos, por ter furtado algo ou desviado o valor de algum trabalho a ser feito, ou simplesmente durante uma saída de negócios para o seu proprietário. Ele conseguiu chegar a Roma onde teve contato com Paulo e converteu-se a Cristo sob influencia de seu ministério. Onésimo ficou servindo a Paulo na prisão. Possivelmente tenham ficado presos juntos.

Depois que Onésimo foi liberto, Paulo o enviou de volta a Filemom, seu legitimo proprietário, com essa carta pessoal de recomendação.

Paulo queria que Filemom recebesse de volta o escravo arrependido e, de boa vontade, o perdoasse e o reabilitasse, possivelmente libertando-o. Onésimo não seria mais um escravo para Filemom, porem “... bem mais do que escravo, como irmão caríssimo,” (v 16). O próprio apóstolo Paulo devolveria qualquer prejuízo que Onésimo porventura tivesse causado e esperava que Filemom fizesse isso livremente, em nome do amor e do dever cristão.

A carta-bilhete que estudaremos aqui conta um acontecimento aparentemente simples do inicio da Igreja, mas nos ensina muito a respeito do viver e da natureza social do ministério cristão.

  1. PAULO, FILEMOM E QUESTÃO DA ESCRAVIDÃO.
“Paulo, prisioneiro de Jesus Cristo, e seu irmão Timóteo, a Filemom, nosso muito amado colaborador, a Afia, nossa irmã, a Arquipo, nosso companheiro de armas, e à igreja que se reúne em tua casa.” (v 1-2). Talvez Afia fosse a esposa de Filemom.

Muito embora essa pequena carta seja pessoal, ela trata de um assunto que não era particular. Isto é, não era do interesse apenas de Filemom. A Igreja estava inserida num contexto social no qual era comum pelo – pelo menos para os mais abastados – possuir escravos. E parece que Paulo desejava aproveitar a oportunidade para orientar a Igreja a respeito do tratamento devido aos novos irmãos na fé que surgissem em meio a servos e escravos.

                                 I.      Paulo, indiretamente, pronuncia-se contra a escravidão.

Paulo considerava que, em Cristo Jesus, não há escravo ou livre, e que todos são batizados em um só Espírito e em só corpo – “Em um só Espírito fomos batizados todos nós, para formar um só corpo, judeus ou gregos, escravos ou livres; e todos nós fomos impregnados do mesmo Espírito”. (1Cor 12,13).

Receber um escravo de volta e ainda considerá-lo igual na fé era, com certeza, apenas uma das situações transformadoras que a Igreja imprimia às relações sociais. Nos dias de Filemom, a lei romana estabelecia que, se um escravo fugitivo fosse encontrado, ele deveria ser devolvido ao seu senhor, e, se quem o encontrasse lhe desse abrigo, deveria assumir os prejuízos por ele causados.

Paulo, sendo conhecedor das leis romanas, parece que procura não deixar dúvidas de que havia uma lei a ser obedecida, mas que em relação à lei do amor, toda e qualquer barreira sociocultural deve cair e prevalecer a unidade em Cristo – “Já não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus.” (Gl 3,28); “Aí não haverá mais grego nem judeu, nem bárbaro nem cita, nem escravo nem livre, mas somente Cristo, que será tudo em todos.” (Cl 3,11).

                               II.      O problema de Filemom poderia ser o mesmo de outros na Igreja.

O pedido de Paulo a Filemom para que recebesse Onésimo de volta e lhe perdoasse a falta era fascinante. Afinal, o senhor do escravo podia puni-lo como quisesse, com açoites ou até mesmo com a morte.

Não era apenas Filemom que se encontrava num dilema, mas também a Igreja que dava seus primeiros passos e tentava descobrir aas melhores decisões a tomar.

Ser condescendente com Onésimo um escravo fugitivo mesmo que convertido à fé cristã poderia levar outros escravos a optarem pela fé apenas para ser beneficiados nas horas de apuro. Mas não considerar a sua nova condição de crente no Senhor Jesus e apenas aplicar-lhe os desígnios da lei poderia abalar a fé da Igreja.

                            III.      Filemom era alguém preocupado com o bem-estar da Igreja.

a)     Colocava a sua casa à disposição para que a Igreja se reunisse – “... e à igreja que se reúne em tua casa.” (v 2);
b)     Influenciava os irmãos com seu exemplo de amor – (v 4-6);
c)      Alegrava e encorajava o apóstolo Paulo com seu testemunho (v 7).

  1. PAULO, AGINDO EM NOME DO AMOR.
“Por esse motivo, se bem que eu tenha plena autoridade em Cristo para prescrever-te o que é da tua obrigação, prefiro fazer apenas um apelo à tua caridade. Eu, Paulo, idoso como estou, e agora preso por Jesus Cristo, venho suplicar-te em favor deste filho meu, que gerei na prisão, Onésimo.” (v 8-10).

                                 I.      O amor e a autoridade de Paulo.

Paulo já era idoso e merecia consideração. Muito mais como alguém que estava na prisão por causa do evangelho de Cristo! Por ser “preso por Jesus Cristo” (v 9), merecia respeito pelo seu ministério e autoridade espiritual. Mas Paulo preferia apelar ao amor que Filemom já tinha demonstrado para com todos – “... ao receber notícia da tua caridade e da fé que tens no Senhor Jesus e para com todos os santos,” (v 5).

Devido à sua autoridade apostólica, Paulo poderia apenas ordenar o que achasse mais correto. No entanto, ele não se deixa levar pelo desejo natural de dar ordens e prefere persuadir em “nome do amor” (1 Cor 9,1-18), que é melhor forma de tratar o outro.

Na epistola a Filemom, Paulo nos mostra como o amor age no coração das pessoas:

  • É grato pelo bem dos outros (v 4);
  • Procura o bem dos outros (v 10);
  • Trata honestamente os outros (v 12);
  • Leva os fardos dos outros (v 18);
  • Crê na transformação dos outros (v 21).
                               II.      A solidariedade de Paulo.

O Manual Bíblico Vida Nova sugere que o apóstolo Paulo, em sua persuasão em amor, “apresentou-se como voluntário para tornar-se sócio de Filemom e ajudá-lo a lidar com essa situação”, de certa forma, constrangedora para Filemom – receber o escravo fugitivo e tratá-lo como “irmão caríssimo” (v 16).

a)     “Recebe-o como a mim.” (v 17). Havia uma relação mais que pastoral entre Paulo e Filemom. Tudo indica que Filemom, como Onésimo, chegou à fé cristã pelo ministério de Paulo – “Eu pagarei. Para não te dizer que tu mesmo te deves inteiramente a mim!” (v 19). Não era apenas o pastor falando à ovelha, era o pai na fé orientando o filho no melhor dos procedimentos.
b)     “Se ele te causou qualquer prejuízo ou está devendo alguma coisa, lança isto em minha conta.” (v 18). Paulo não estava pedindo que Filemom esquecesse o prejuízo que Onésimo havia lhe dado ou que desconsiderasse o crime cometido pelo escravo, mas deu garantia a Filemom de que seus direitos seriam honrados.

O exemplo que Paulo dá é o de andar a segunda milha com Onésimo – evangeliza-o, reapresenta-o a Filemom, endossa o testemunho de Onésimo e ainda está disposto a assumir os prejuízos causados antes de sua conversão. É muito mais que qualquer um faria. Mas ele espera que Filemom siga seu exemplo, andando a segunda milha e libertando Onésimo de sua escravatura (v 15-16.21).

  1. ONÉSIMO, TRANSFORMADO EM VASO UTIL.
“Ele (Onésimo) poderá ter sido de pouca serventia para ti, mas agora será muito útil tanto a ti como a mim. Se ele se apartou de ti por algum tempo, foi sem dúvida para que o pudesses reaver para sempre. Agora, não já como escravo, mas bem mais do que escravo, como irmão caríssimo, meu e, sobretudo teu, tanto por interesses temporais como no Senhor.” (v 11.15-16).

O nome grego Onésimo significa “útil”, por isso era comum para escravos. Afinal, todo escravo deveria ser útil. Paulo faz um trocadilho com o nome de Onésimo – “antes e foi inútil; atualmente, porem, é útil” – e pretende chamar a atenção de Filemom para o pedido que vai fazer.

Os escravos frígios (dá região de Frígia – centro da Ásia), tinham má reputação de ser preguiçosos e ruins para o trabalho. De alguma forma, Onésimo havia sido infiel ao seu senhor (v 18), mas foi transformado pelo evangelho de Jesus – era uma “nova criatura” (2 Cor 5,17).

Mas a grande utilidade de Onésimo estava na maneira que ele podia servir a partir da sua conversão. Antes da conversão, era o servo dolo.

A verdadeira utilidade do cristão no Senhor Jesus está em sua vida transformada pelo Espírito Santo, capaz de influenciar outros por meio do testemunho.

Paulo procura mostrar a Filemom que cada um tem, em Jesus, utilidade, seja em servir, acolher ou apenas animar o próximo.

                                 I.      Para Filemom, a utilidade de Onésimo estava em tê-lo de volta em casa e continuar contando com seus préstimos de servo.
                              II.      Para Onésimo, a utilidade de Paulo estava em sua capacidade de defender e interceder diante de Filemom.
                            III.      Para Paulo, a utilidade de Filemom estava no amor sempre atuante, capaz de refazer as suas esperanças.

  1. CONCLUSÃO.
A ação de maior impacto na vida das pessoas que chegam a uma igreja não é o que ouvem ou como podem participar, mas como são recebidas e acolhidas pelos que já estão lá. É preciso crer que , em Cristo, as pessoas mudam e são usadas por Deus!

Assim, essa pequena carta foi:

  • Para Paulo, um instrumento de ensino à igreja e a um discípulo;
  • Para Filemom, uma “promissória” de confiança na palavra de Paulo e do Onésimo;
  • Para Onésimo, uma carta de alforria – se não com relação a sua posição social, o foi de seu espírito!

Marco Antonio Lana (Teologo)


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