O espinho na carne de Paulo é um dos assuntos que mais gera curiosidade entre os cristãos. A dúvida
sobre qual era o espinho na carne do apóstolo deu origem a uma série de
suposições. Algumas são completamente infundadas, enquanto outras parecem fazer
mais sentido. Neste estudo bíblico veremos alguns pontos importantes sobre
esta questão, e qual seria o possível espinho na carne sobre o qual Paulo pediu
por três vezes ao Senhor para livrá-lo dele.
As especulações sobre o espinho na carne de PAULO
Como já disse, existe muita especulação sobre este assunto. Muitas delas
são defendidas por estudiosos muito preparados no Novo Testamento, enquanto outras
parecem ser tão absurdas que é difícil saber de onde surgiram. As principais
sugestões são:
·
Epilepsia: alguns intérpretes sugerem que Paulo sofria de ataques de epilepsia. O
problema é que não há qualquer indício em suas epístolas ou no livro de Atos de
que o apóstolo tenha sofrido desse problema. Alguns tentam utilizar o texto de
Gálatas 4:14 para tentar apontar para essa possibilidade, porém isto é forçar o
texto e acrescentar algo que não está nele. Nessa passagem parece claro que o
apóstolo está usando uma figura de linguagem.
·
Depressão: essa sugestão é defendida por aqueles que utilizam passagens onde o
apóstolo expressa alguma tristeza ou descontentamento para supor que Paulo
sofria de depressão. Obviamente o apostolo sofreu várias oposições durante o
seu ministério, porém é bem difícil imaginar que alguém que escreveu algo como
“somos entristecidos, mas sempre alegres” (2Co 6:10) tenha sido
acometido de uma depressão séria.
· Opositores: alguns escritos de Paulo nos revelam que ele teve de lutar
continuamente contra inimigos de seu ministério e, consequentemente, em última
análise, opositores do próprio Evangelho. Paulo sofria infâmia de seus próprios
filhos na fé. Pelo que o apostolo nos relata, esse tipo de coisa lhe causava
alguma agonia, porém considerar isto como sendo o próprio espinho na carne não
parece ser muito coerente, além de ser estranho, pelo perfil de Paulo, que ele
tenha orado três vezes para que Deus colocasse fim nos seus inimigos. Essa posição
era a preferida de Lutero.
·
Tentação ou opressão maligna: alguns sugerem que o espinho na carne de Paulo era as tentações que o
afligia, devido às limitações de sua natureza humana corrompida pelo pecado.
Calvino preferia essa interpretação. Há também que aprofunde ainda mais esse
aspecto, e estabeleça uma possível ligação com uma opressão demoníaca que
atacava o apóstolo. Sobre a questão da tentação, é importante dizer que essa
sugestão não se refere a exatamente um pecado específico e recorrente, como
alguns de forma inconseqüente e sem fundamentação bíblica tentam supor
(principalmente com conotação sexual). Aqui trata-se da própria imperfeição
humana frente à perfeição e magnificência do Evangelho que era pregado pelo
apóstolo.
· Problemas de visão: talvez essa seja a mais conhecida de todas as sugestões. Nela,
especula-se que o espinho na carne de Paulo tenha sido seu possível problema de
visão. Quando o apóstolo escreveu aos gálatas, compreendemos que a doença que o
castigava também era motivo de aflição para eles, a ponto de, se pudessem, eles
arrancariam os próprios olhos para dar ao apóstolo. Sabemos que Paulo tinha
dificuldade de escrever suas cartas devido a uma visão fraca (Gl 6:11), e em
algumas delas ele usou escribas para escrever por ele (ex. Rm 16:22), além de
que Atos 23:5 parece sugerir que Paulo teve dificuldade em enxergar o sumo
sacerdote Ananias na reunião do Sinédrio. A maior objeção a essa possibilidade,
talvez seja o fato de que não sabemos se Gálatas 4:15 deve ser interpretado de
modo literal ou figurado, ou, principalmente, se a provável doença que o
apóstolo se referiu na Epístola aos Gálatas tenha realmente alguma ligação com
o espinho na carne mencionado em 2 Coríntios.
· Outras sugestões: também é sugerido que o espinho na carne possa ter sido nevralgia,
reumatismo, malária (ou complicações dela, talvez até explicando o problema de
visão) e lepra.
O que era o espinho na carne de Paulo?
Antes de falarmos sobre essa pergunta, precisamos considerar alguns
aspectos importantes sobre o contexto que envolve a passagem onde a reclamação
sobre esse espinho aparece. Estamos falando de 2 Coríntios 12, um texto em que
o apóstolo Paulo descreve a experiência indescritível de um arrebatamento ao
terceiro céu, onde na ocasião ele viu coisas que não é lícito ao homem
pronunciar.
É interessante que no versículo 5 Paulo mudou drasticamente alguns
aspectos de sua narrativa. Da descrição da glória celestial ele passou a
descrever o sofrimento terreno, onde era perturbado por um mensageiro de
Satanás.
Mais do que isto, Paulo ainda relaciona o privilégio de vivenciar
experiências tão sobrenaturais com o sofrimento a qual era submetido. Daí ele
nos explica o propósito do sofrimento e alguns detalhes que nos ajudam
compreender um pouco melhor esse espinho na carne.
A palavra grega traduzida como espinho é skolops e significa
literalmente “estaca” ou “espinho”, no sentido de perfurar a pele a ponto de
ferir. Aqui é a única vez que esse termo grego é utilizado em todo o Novo
Testamento.
Nesse capítulo, Paulo fez um discurso sobre o “gloriar-se”, e a
preocupação que ele tinha em dar ao Senhor toda a glória e honra devida, de
modo que seu grande desejo era continuar humilde e nunca cometer o erro de
gloriar-se de si mesmo. A forma com que ele usa a terceira pessoa no começo do
capítulo deixa esse princípio muito claro.
Diante disso, um ponto importantíssimo é a revelação do apóstolo sobre a
origem do seu espinho na carne: o próprio Deus. Paulo claramente aponta que
o espinho na carne que lhe feria foi dado por uma intervenção do Senhor.
Considerando essa informação, pessoalmente acho bem difícil que tal espinho na
carne se refira a um tipo de tentação.
Paulo intensifica ainda mais sua descrição apontando que um mensageiro
de Satanás o atormentava por isto, ou seja, quando Deus lhe deu um algo que lhe
causava desconforto, também permitiu que Satanás mandasse um dos seus agentes
para atormentá-lo. Nesse ponto podemos nos lembrar de Jó (Jó 1:12; 2:6).
A forma com que Paulo descreve a ação desse mensageiro de Satanás também
é interessante. Paulo diz que era “esbofeteado”, ou seja, ferido no rosto de
forma humilhante. A maioria dos estudiosos entende que a forma com que as
expressões são apresentadas no grego sugere fortemente que Paulo suportava
dor física.
Assim, independente do tipo de sofrimento, podendo ser tanto de natureza
física quando espiritual, o certo é que Paulo era atingido dolorosamente e
literalmente em sua carne.
Particularmente me inclino a crer que a melhor possibilidade, ou pelo
menos a que propõe mais indícios textuais, é a de que o espinho na
carne de Paulo seja referente a um problema de visão. Entretanto, não penso
ser este o ponto principal da narrativa do apóstolo, ou seja, o importante não
é o “qual”, mas o “por que”.
Sendo bem sincero, qualquer explicação que possamos dar sobre qual
era o espinho na carne de Paulo não passará apenas de uma mera
especulação, pois de fato é impossível saber o que afligia o apóstolo, nem
mesmo se era um problema interno ou externo.
Todavia, como já disse, se não sabemos “qual era o espinho”
sabemos “o porquê do espinho“, e é isto o que realmente importa para
nós, ensinando-nos algumas coisas importantes:
1. O espinho na carne de Paulo não era uma maldição, mas uma benção: Deus lhe conferiu tal sofrimento
para que ele não caísse no que talvez fosse o seu maior medo: se tornar uma
pessoa soberba. Paulo enfatiza essa condição duas vezes no mesmo versículo ao
dizer: “para que não me exaltasse” e “a fim de não me exaltar“.
2. O espinho na carne de Paulo revela o propósito de Deus: com base nesse texto de Paulo,
entendemos que até mesmo o sofrimento pode revelar o propósito de Deus em nos
poupar de uma dor ainda maior. Se o espinho na carne era dolorido para Paulo, a
dor de ser um soberbo e reprovado espiritualmente era ainda pior. O espinho na
carne era uma providência do próprio Deus para a vida do apóstolo.
3. O espinho na carne de Paulo revela a soberania de Deus: a soberania de Deus é tão imensa e
incompreensível para nós, que até mesmo a perturbação satânica pode ser usada
por Ele para cumprir os seus propósitos. É incrível pensar que o mensageiro de
Satanás que esbofeteava Paulo não desafiava o cuidado de Deus por sua vida, ao
contrário, era um meio que contribuía com tal cuidado.
4. O espinho na carne de Paulo o fez depender mais de Deus: como qualquer ser humano, Paulo
buscou auxílio no Senhor diante desse sofrimento. Ele orou e suplicou para que
Deus o livrasse daquela situação.
5. O espinho na carne de Paulo revela que a oração é eficaz e que a vontade
do Senhor permanece soberana:Paulo orou por três vezes para que aquela dor lhe fosse tirada.
Entretanto, a resposta de Deus foi um “não”, acompanhado de um consolo sem
igual: sua graça acolhedora. O espinho na carne de Paulo nos ensina que a
oração é eficaz, porque ela chega até Deus e Ele a escuta, porém isso não
significa que Ele nos responderá da forma com que imaginamos, pois sua vontade
está acima da nossa e seus desígnios são eternos e soberanos.
6. O espinho na carne de Paulo revela a graça maravilhosa de Deus: diferente do esperado, Paulo não foi
finalmente curado de sua dor, mas foi lhe dado algo que o capacitava e suportar
qualquer aflição: a graça de Deus. Paulo escutou do Senhor: “A minha graça
te basta“.
A graça de Deus é suficiente para nós, independente de qual for o nosso
espinho na carne. Lembre-se disto: o espinho na carne de Paulo não era um
desprezo, mas um cuidado do próprio Deus para com ele.
Meu desejo é que possamos olhar para as nossas dores não apenas com
olhar de reclamação, mas com olhar de admiração pelo cuidado e pela soberania
com que Deus conduz as nossas vidas, nos confortando em sua maravilhosa graça,
e nos ensinando até mesmo em nossos sofrimentos.
Diante disto só nos resta dizer que “todas
as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles
que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8,28).
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