Caim e Abel personalizam o título
desta lição. Caim é a personalização da inveja; Abel, da gratidão.
Ambos nasceram fora do Éden, eram filhos não do Adão inocente, mas, sim, do
Adão culpado. Entraram no mundo como participantes da natureza do seu pai.
Natureza caída, arruinada, irremediavelmente natureza má. "O que nasceu
da carne é carne, e o que nasceu do Espírito é espírito". (Jo 3,6).
De tudo o que se possa dizer,
segue-se que Abel não era diferente, em natureza, do seu irmão Caim. A
distinção entre eles não era baseada em coisa alguma da sua natureza ou das
circunstâncias, porque, quanto a estas, não há diferença. Em Adão, pai de Caim
e Abel, "todos pecaram e todos estão privados da glória de Deus," (Rm
3,23). Em que consistiu, então, a grande diferença? A resposta é: nos seus
sacrifícios (Gn 4,3-5). O capitulo 11 de hebreus apresenta-nos o assunto de
modo distinto e compreensível: "Pela fé Abel ofereceu a Deus um
sacrifício bem superior ao de Caim, e mereceu ser chamado justo, porque Deus
aceitou a sua oferta. Graças a ela é que, apesar de sua morte, ele ainda
fala". (Hb 11,4). Mas por que Deus não aceitou o sacrifício de Caim?
Caim ofereceu ao Senhor o fruto da terra amaldiçoada, e isto também sem sangue
para remover a maldição. Hebreus 9,22 diz: "Aliás, conforme a lei, o
sangue é utilizado, para quase todas as purificações, e sem efusão de sangue
não há perdão". A diferença entre a oferta de Caim e a de Abel é
dupla: uma diferença interior; isto é, a disposição do coração. Também uma
diferença exterior; isto é, a ausência do cordeiro, tipo de Jesus Cristo – "Eis
o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo". (Jo 1,29).
Acontecida à tragédia da queda,
deu-se uma divisão insanável. Desde esse dia duas grandes forças se
protagonizam no mundo, numa luta sem tréguas. A divisão e o protagonismo
apareceram já no seio da primeira família. O progresso do pecado não se faz
esperar. Corrompida a natureza, o tentador deixou o homem entregue a si mesmo.
A semente lançada tinha germinado e, agora, vai crescendo assustadoramente. O
mal que vai crescendo apresenta os seguintes aspectos:
I.
FORMALISMO E EXTERIORIDADE DO CULTO.
Qual foi o erro de Caim? Foi uma
duplicidade: por fora, ato de culto; por dentro, coração afastado de Deus. A
narrativa bíblica mostra duas coisas:
1. Deus não
olhou para Caim, nem para seu sacrifício.
A razão é simples: Deus olha
primeiro para o coração e, só depois disso, achando o coração reto, olha aquilo
que está dentro.
2. Caim não
fez bem.
Se tivesse feito bem, Deus teria
olhado para ele. (Is 1,13-15; Jr 17,9-10).
A carta aos Hebreus diz que Abel
ofereceu maior sacrifício pela fé. O que agradou a Deus, em Abel, foi um fato
interior, um fato do coração – a fé.
Era exatamente o que faltara a
Caim. Por fora, Caim era um homem religioso; por dentro, um homem divorciado de
Deus, que procurava curar o mal com o culto exterior.
II.
INIMIZADE CONTRA O HOMEM E AVERSÃO A DEUS.
Caim não foi tentado pelo diabo. O
que provocou o seu ato de violência foi o ato de Abel. Fatos e circunstancias
que teriam estimulado em outras pessoas a prática do bem, despertaram em Caim
as manifestações do mal. O mal já estava nele. Caim amava a si mesmo; era um
egocêntrico e ególatra, por isso odiava a seu irmão e tinha aversão às coisas
de Deus. Abel não lhe fez nenhum mal, mas Caim o aborreceu a ponto de tirar-lhe
a vida. Foi o primeiro homicídio da bíblia. Para reforçar este aspecto do mal
seria boa uma leitura no texto de Mt 5,21-48.
O relacionamento entre os irmãos
Caim e Abel é o oposto daquilo que Deus espera do relacionamento entre os
homens: a fraternidade, em que cada um é protetor do seu próximo. A
auto-suficiência introduz a rivalidade e a competição nesse relacionamento: a
fraternidade é destruída e, em vez de proteger, o homem fere e mata o seu
próximo.
III.
VIOLENCIA.
A simples aversão não tardou a
mudar-se em ódio que moveu Caim a um ato de violência. A causa de não ter sido
aceita a sua oferta era ele mesmo. Assim coloca o profeta Isaias – "Não,
não é a mão do Senhor que é incapaz de salvar, nem seu ouvido demasiado surdo
para ouvir, são vossos pecados que colocaram uma barreira entre vós e vosso
Deus. Vossas faltas são o motivo pelo qual a Face se oculta para não vos
ouvir," (Is 59,1-2).
Era contra si próprio que Caim
devia virar-se, e não contra seu irmão Abel. Paulo afirma a seu respeito de si
mesmo – "Homem infeliz que sou! Quem me livrará deste corpo que me
acarreta a morte?..". (Rm 7,24).
IV.
LUXURIA E CINISMO.
Fortes uns contra outros e
violentos na prática do crime, os filhos dos homens são fracos para governar os
seus instintos de luxuria. Na geração de Caim aparece o primeiro caso de
poligamia. Mais grave ainda, Lamec proclama o crime que cometeu – "Lamec
disse às suas mulheres: Ada e Sela, ouvi a minha voz: mulheres de Lamec,
escutem as minhas palavras: Por uma ferida matei um homem, e por uma contusão
um menino". (Gn 4,23).
Ao mesmo tempo em que a corrupção
tomava esse impulso assustador, manifestava-se, de outro lado, o poder
vitorioso do bem. Os homens começaram invocar o nome de Senhor. Surge e
começa a geração dos piedosos. Assim termina o capítulo quatro – "Set
teve também um filho, que chamou Enos. E o nome do Senhor começou a ser
invocado a partir de então". (Gn 4,26).
“O texto apresenta o desenvolvimento da civilização, com
suas bases culturais e tecnológicas. Surge o homem político (da polis = cidade;
Gn 4,17), o homem artista (Gn 4,21) e o homem artesão (Gn 4,22). A civilização,
porém, nasce de Caim: auto-suficiência e violência se multiplicam cada vez
mais, gerando uma sociedade fundada na hostilidade e na competição. Tudo
perdido? Não. Surge também o homem religioso (Gn 4,26), que busca reunir
novamente aquilo que o homem auto-suficiente divide e separa. Em Mt 18,21-22, o
Novo Testamento apresenta a antítese da violência”. – Bíblia Pastoral.
CONCLUINDO.
Cremos que deve ser bom alvitre,
fechar esta lição com uma palavra sobre “o caminho de Caim”, conforme a
epistola de Judas, v 11 – "Ai deles, porque andaram pelo caminho de
Caim, e por amor do lucro caíram no erro de Balaão e pereceram na revolta de
Coré". (Jd 11). “O caminho de Caim”, na qual milhões estão
percorrendo, é, sem dúvida alguma, o caminho para a morte.
Jesus fala, em seu sermão do Monte
– Mt 7,13-14 – de dois caminhos. O caminho estreito, o qual podemos chamar de “o
caminho de Abel” – o caminho do culto verdadeiro, o caminho da fé, o
caminho da crucificação – "Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que
vive em mim. A
minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e
se entregou por mim". (Gl 2,20). O caminho largo, que leva a perdição,
é o caminho de Caim – o caminho da inveja, do orgulho e da superficialidade
espiritual. “porque o Senhor conhece o caminho dos justos, mas o caminho dos
ímpios conduz à ruína.” (Sl 1,6).
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