Creio que vale uma palavra
especial sobre o livro do Gênesis como introdução geral às lições deste
quadrimestre. A palavra Gênesis vem da velha versão grega do Antigo
Testamento – A SETUAGINTA – onde este livro é chamado de “Gênesis
Kosmou”, ou “a origem do mundo”. É, de fato, o livro dos começos e,
por isso, a sua palavra chave é “principio”. Nele temos o principio do
universo material; o principio da raça humana, do pecado humano, da sua
redenção; o princípio da civilização, o principio das nações e o principio da
raça hebraica.
Gênesis tem sido um dos livros
mais atacados da Bíblia, tanto pelos cientistas como pelos críticos modernos.
Mas alguém já disse: “a Bíblia é uma bigorna que tem consumido muitos
martelos”. Muitos teólogos acreditam na Teoria da Evolução, outros na
Teoria da Criação. Eu particularmente prefiro ficar com a Teoria da Criação.
- A CRIAÇÃO (Gn 1,1).
"No
princípio, Deus criou os céus e a terra". (Gn 1,1).
Interessante observar que a
primeira frase da Bíblia coloca-nos na presença daquele que é a origem infinita
de toda a verdadeira bem-aventurança. Não há um argumento elaborado em prova da
existência de Deus. O filósofo alemão Kepler dizia “Deus pensou, e para
revelar seu pensamento não usou palavras escritas. Ele criou o mundo e tudo o
que nele há.” Deus revela-se a si mesmo e faz-se conhecer pelas suas obras.
O salmista diz: “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a
obra das suas mãos.” (Sl 19,1), ainda mais “Todas as tuas obras te
louvarão, ó Senhor, e os teus santos te bendirão.” (Sl 145,10).
Ninguém, a não ser um ateu,
procuraria um argumento para provar à existência de um Ser que, pela palavra de
sua boca, chamou o mundo a existência. E revelou-se a si mesmo como um Deus
Todo-Poderoso e eterno. Quem, se não Deus, poderia criar alguma coisa? Diz o
profeta: "Levantai os olhos para o céu e olhai. Quem criou todos esses
astros? Aquele que faz marchar o exército completo, e a todos chama pelo nome,
o qual é tão rico de força e dotado de poder, que ninguém falta ao seu
chamado". (Is 40,26). "Porque os deuses dos povos, sejam quais
forem, não passam de ídolos; mas foi o Senhor quem criou os céus".
(1Cr 16,26).
- O CAOS (Gn 1,2).
"A
terra estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus
pairava sobre as águas". (Gn 1,2).
A palavra “caos”
significava “desordem”, como resultado de alguma catástrofe cataclísmica
– relativo a um dilúvio ou desastre cósmico.
Alguns defendem a teoria de que entre o primeiro e o segundo
versículos do capítulo 1, existe um intervalo de tempo indefinido, mas,
provavelmente, muito longo. Nesse tempo, Satanás teria pecado no céu e sido
lançado na terra – Ap 12,6-7 “Então
houve guerra no céu: Miguel e os seus anjos batalhavam contra o dragão. E o
dragão e os seus anjos batalhavam, Então houve guerra no
céu: Miguel e os seus anjos batalhavam contra o dragão. E o dragão e os seus
anjos batalhavam,”,
causando-lhe grande destruição. Por esta causa, a terra ficou sem forma e
vazia. O texto original do versículo 2 admite também a seguinte tradução: “A terra veio a ser sem forma e vazia”.
Um ponto de apoio apresentado para esta teoria é o versículo de Isaías que diz
que Deus não criou a terra vazia (Is.45,8 – “Destilai vós, céus, dessas alturas a justiça, e chovam-na as nuvens;
abra-se a terra, e produza a salvação e ao mesmo tempo faça nascer a justiça;
eu, o Senhor, as criei”). Uma
dificuldade para os defensores desta teoria é explicar como pode ter ocorrido
morte no mundo antes do pecado humano. Isto é bastante improvável, de acordo
com Rm.5,17 – “Porque, se pela ofensa de
um só, a morte veio a reinar por esse, muito mais os que recebem a abundância
da graça, e do dom da justiça, reinarão em vida por um só, Jesus Cristo.” E
Rm 6,23 “Porque o salário do pecado é a
morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus nosso Senhor.”.
Outros dizem que os versículos 1 e
2 de Gn 1; sugeri que o autor fez um resumo dos acontecimentos da criação até o
dilúvio – “No princípio, Deus criou os
céus e a terra. A terra estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo e o
Espírito de Deus pairava sobre as águas.”
Fico
com a primeira teoria.
3. OS DIAS
DA CRIAÇAO DA TERRA (Gn 1,3 – 2,3).
“Disse
Deus: haja luz. E houve luz. Viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre
a luz e as trevas. E Deus chamou à luz dia, e às trevas noite. E foi à tarde e
a manhã, o dia primeiro.” (Gn 1,3-5).
Como podemos entender o “o dia
da criação”?
Nada do que existe, existe
sem Deus; no princípio, tudo foi criado por Deus e caminha inexoravelmente
conforme os desígnios de Deus, sem mistérios e sem complexidades, com a
simplicidade inspirada por uma fé profunda. Diz apenas e vigorosamente que tudo
começou a partir do impulso propulsor e ordenador da Palavra de Deus,
mostrando-O assim onipotente, destacado da Criação, não se confundindo com Ela:
"Deus
disse: ‘Haja luz’ e houve luz" (Gn 1,3).
Deus começou a criar afastando as
trevas e criando a luz, para poder ver a obra em andamento e aparecer como
estava ela sendo feita, em virtude da sua concepção rudimentar e ainda
antropomórfica. Quando amanhece, parece-nos à primeira vista que a "luz do
sol" precede a "luz do dia", como se distinguissem. Sabemos que
não, a "luz do dia" é a "luz do sol", mas ao narrador, que
não o sabia, havia a distinção tal como se percebe a olhos nus, sem
instrumentos, e sem o menor conhecimento científico. Não sabia ele, nem poderia
saber que a luz do sol leva aproximadamente oito minutos para atingir a terra,
em virtude do que a ele pareciam coexistir ambas distintas e separadas. Por
isso, na sua concepção, Deus a cria antes de criar o sol, qual seja, melhor
dizendo, independentemente da criação dele. Criou "a luz" erradicando
"as trevas" (1,2), facilitando assim a explosão da vida e do calor
desenvolvida pelo "Espírito de Deus" (1,2). Daí então, a Criação se
desdobra vertiginosamente, em seqüência culturalmente lógica para o narrador e
em ordem sistemática delimitada em espaços uniformes de tempo, "em
dias", conforme Deus pronunciava "Sua Palavra" (“... e Deus
disse...", “... e Deus chamou"...):
"Deus chamou à
luz ‘dia’ e às trevas ‘noite’. Houve uma tarde e uma manhã: primeiro dia"
(Gn 1,5).
O mundo de então era concebido
como um grande volume cheio de água, onde tudo já se encontrava confusamente
disposto, que Deus vai formando e ordenando, tal como se fora um "feto
numa placenta":
"Deus disse: ‘Haja um
firmamento no meio das águas e assim se fez. Deus fez o firmamento, que separou
as águas que estão sob o firmamento das águas que estão acima do firmamento, e
Deus chamou ao firmamento ‘céu’. Houve uma tarde e uma manhã: segundo dia" (Gn
1,6-8).
Desconhecendo as leis físicas da
evaporação da água, da formação das chuvas, e vendo-as cair, supunha que tanto
havia águas no céu como nos mares, tal como se "vê" a olho nu, único
instrumento disponível:
"Deus disse: ‘Que as águas
que estão sob o céu se reúnam numa só massa e que apareça o continente’, e
assim se fez. Deus chamou ao continente ‘terra’ e à massa das águas ‘mares’, e
Deus viu que isso era bom" (Gn 1,9-10).
Delimitou Deus a terra e desse
modo separou-a dos mares. Estavam assim preparados os ambientes para a criação,
geração e propagação dos vegetais, ervas e frutos, com o que se daria a
erradicação da aridez da terra virgem:
"Deus disse: ‘Que a terra
verdeje de verdura: ervas que dêem semente e árvores frutíferas que dêem sobre
a terra, segundo a sua espécie, frutos contendo a sua semente’, e assim se fez.
A terra produziu verdura: ervas que dão semente segundo a sua espécie, árvores
que dão, segundo sua espécie, frutos contendo sua semente, e Deus viu que isso
era bom. Houve uma tarde e uma manhã: terceiro dia" (Gn 1,11-13).
A vegetação, as ervas e as
árvores que cobrem a superfície da terra não são imanentismos dela, mas gerados
dela e nela pela Palavra de Deus, fonte de tudo o que existe, nada tendo vindo
à existência sem que Ele chamasse:
"Deus disse: ‘Que haja
luzeiros no firmamento do céu para separar o dia e a noite; que eles sirvam de
sinais, tanto para as festas quanto para os dias e anos; que sejam luzeiros no
firmamento do céu para iluminar a terra’, e assim se fez. Deus fez os dois
luzeiros maiores: o grande luzeiro para governar o dia e o pequeno luzeiro para
governar a noite, e as estrelas. Deus os colocou no firmamento do céu para
iluminar a terra, para governarem o dia e a noite, para separarem a luz e as
trevas, e Deus viu que isso era bom. Houve uma tarde e uma manhã: quarto
dia" (Gn 1,14-19).
Aquela luz já criada é depositada
em receptáculos apropriados a sua distribuição durante a noite e durante o dia.
Não são os luzeiros seres absolutos a ponto de se tornarem até mesmo em objetos
de adoração por outros povos, eis que são criaturas advindas da Criação de
Deus. Receberam de Deus a missão de comando e direção da luz, principalmente
para as funções fundamentais da vida, indispensáveis à existência:
"Deus disse: ‘Fervilhem as
águas um fervilhar de seres vivos e que as aves voem acima da terra, diante do
firmamento do céu’, e assim se fez. Deus criou as grandes serpentes do mar e
todos os seres vivos que rastejam e que fervilham nas águas segundo sua
espécie, e Deus viu que isso era bom" (Gn 1,20-21).
Não bastava criar os seres vivos.
Era preciso dotá-los de aptidão para a propagação e perpetuação da espécie.
Deus então os fecunda, tornando-os férteis, capazes de se reproduzirem. É a bênção:
"Deus os abençoou e disse:
‘Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a água dos mares, e que as aves se
multipliquem sobre a terra’. Houve uma tarde e uma manhã: quinto dia" (Gn
1,22-23).
Quando Deus abençoa, fecunda, e é
de Deus que os seres recebem a vida e a fecundidade, não da natureza ou do
mundo: as vegetações, as ervas e as árvores frutíferas tiveram por fonte
criadora o próprio Deus. Ele lhes injeta a faculdade de viver e procriar como
aptidão imanente a cada uma e a toda espécie viva, estendendo a bênção à
própria terra e ao demais seres vivos:
"Deus disse: ‘Que a terra
produza seres vivos segundo a sua espécie: animais domésticos, répteis e feras
segundo sua espécie’, e assim se fez. Deus fez as feras segundo sua espécie, os
animais domésticos segundo sua espécie e todos os répteis do solo segundo sua
espécie, e Deus viu que isso era bom" (Gn 1,24-25).
E, a Criação prossegue inexorável,
aperfeiçoando-se sempre mais e mais, em cada novo estádio ou etapa, em cada
dia, três obras por dia, caminhando em direção a sua obra prima: a Criação do
Homem, o ápice dela, com o que será ultimada e coroada. É de se notar que
vários indícios evidenciam a forma poética dessa narração, quais sejam, dentre
eles, a repetição sistemática de várias expressões, tais como "Deus
disse", "Deus viu que era bom", "Houve
tarde e manhã: ...dia", os números com sua significação peculiar na
criação em seis dias, nas três obras por dia, no sétimo dia, e a forma ritmada
de todo o contexto. Não houve testemunhas nem a escrita havia sido inventada
ainda. Daí compreender-se que essa narração, para se manter viva na memória,
era assim composta em versos, em virtude de ser declamada sistematicamente,
método ainda usado no Oriente para a retenção e divulgação de acontecimentos
importantes. Todo o Velho Testamento está repleta de outras poesias, como forma
de celebração de fatos destacados na História da Salvação (Gn 49; Ex 15; Nm 23;
24; Dt 32; 33; Jz 5; 1 Sm 2,1-10; Os Salmos; etc.); e, no Novo Testamento
destacam-se dentre muitos trechos dos rituais cristãos dos primórdios, o
Magnificat de Maria (Lc 1,46-55), o Benedictus (Lc 1,67-79) etc..
Em toda a narração transparece a
onipotência e onisciência de Deus, nada criando ao acaso, mas inteligentemente
e obedecendo a uma ordem determinada e coerentemente disposta com vistas a um
fim deliberado: A Criação do Homem.
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