Nos versículos iniciais de Gênesis 5, temos um relato histórico do modo
de viver dos seres antediluvianos. Deste modo, percebemos a humanidade criada
por Deus vivendo sob alguns aspectos à luz do objetivo impar de Deus, com
múltiplas experiências:
1.
No viver com Deus –
Temos Enoque como
referencial, representando alguém que teve sua vida espiritual, pessoal,
intelectual permeada pela presença divina; era diferente dos demais de sua
época (vv. 21-24).
2.
No viver familiar –
Havia amplo
crescimento reprodutivo, gerando filhos e filhas.
3.
No viver secular –
Tinham consciência
das dificuldades próprias da época. Viviam na expectativa de alivio para a angustia
e estresse próprios daqueles dias. Percebemos esta tensão nas palavras de Lamec
que, ao ser agraciado com a paternidade aos 182 anos (bastante jovem para a época), desabafa a
cerca de suas necessidades – "ao qual pôs o nome de Noé, dizendo: “Este
nos trará, em nossas fadigas e no duro labor de nossas mãos, um alívio tirado
da terra mesma que o Senhor amaldiçoou.”" (Gn 5,29) – consolo para o
exaustivo trabalho nas buscas incessantes de oportunidades, consolo das fadigas
das próprias mãos e livramento da maldição sobre a qual estava encerrada a
própria terra. Interessante observarmos que é neste contexto conflituoso que
nasce Noé; e seu pai Lamec antevê nele o consolo para estas lutas.
“Na
perspectiva dos antigos, a história é uma sucessão de gerações, de modo que
contar a história, é contar a história das famílias. Notemos que a geração
humana transmite para cada novo ser humano a originalidade com que Deus criou
Adão: à imagem e semelhança de Deus (Gn 5,1-3). Assim, a salvação se mostra já
presente na história. Para o Antigo Testamento, ser feliz é viver bastante.
Salientando a idade, o texto quer mostrar o seguinte: à medida que o mal
cresce, o homem é menos feliz, ou seja, vive menos (cf. Gn 6,3): antes do
dilúvio, vive-se de 700 a
1.000 anos; depois do dilúvio, de 200
a 600 anos (cf. Gn 11,10-26); a partir de Abraão, de 100 a 200 (cf. Gn 23,1 etc.);
mais tarde, de 70 a
80 anos (cf. Sl 90,10).” – Bíblia Pastoral.
I.
O ESTADO DA HUMANIDADE. (Gn 6:1-12).
Para um mundo
jovem, o pecado atingira proporções imensuráveis – “Um abismo chama outro
abismo ao ruído das tuas catadupas; todas as tuas ondas e vagas têm passado
sobre mim”. (Sl 42,7). Os homens e as mulheres daqueles dias encontravam-se
num estado de desintegração moral e espiritual, separados da comunhão com Deus
e entregues às próprias paixões e concupiscências (Gn 1-4), portanto, em pecado
– condição do homem sem a presença de Deus. Deus então olhou esses “homens”
e constatou:
1.
O que Deus viu.
a) A
carnalidade latente (v3).
b) As
maldades humanas em crescimento vertiginoso (v 5a).
c) A
persistência maldosa dos desígnios do coração humano (v. 5b).
2.
O que Deus fez.
Deus então analisou
esses homens, se arrependeu de havê-los criado, e resolveu:
a) Tirar
a ação do Espírito Santo sobre o Homem – v3a.
b) Diminuir
o tempo de vida – v3b.
c) Fazer
desaparecer o homem da face da terra – v 7.
Novamente, numa
situação conflituosa, Noé reapareceu na história bíblica, de forma decisiva – "Noé,
entretanto, encontrou graça aos olhos do Senhor". (Gn 6,8).
Dessa vez não temos
mais um pai terreno olhando suas próprias does e ansioso por diminuí-las, mas
um pai Celeste, Deus, com a justiça derramando das próprias mãos; em busca
de uma solução não particular, mas
universal. Ele também achou em Noé a graça” inexistente em seus contemporâneos
(v. 9). Conseqüentemente começou-se naquele momento o julgamento da humanidade.
“6,1-8:
A auto-suficiência chega ao máximo da pretensão: o homem começa a considerar-se
um deus ou semi-deus, projetando uma super-humanidade independente do projeto
original de Deus. Vendo sua criação desfigurada, Javé decide exterminá-la. Tudo
perdido? Não. A história vai continuar através de Noé, o homem justo. Inspirada nas inundações periódicas dos
grandes rios, a narrativa do dilúvio é típica das antigas culturas
médio-orientais. Os autores bíblicos a utilizaram por causa do seu significado
simbólico: o dilúvio é uma volta ao caos primitivo (compare Gn 1,6-30 com 6,17
e 7,18-24). Contudo, qual é o dilúvio que acontece na história? São os
acontecimentos catastróficos gerados pela auto-suficiência, que chega a formas
tão extremadas que produz o caos na natureza e no mundo humano. O texto é
também uma apologia do justo: este sabe discernir a catástrofe e tomar uma
atitude para sobreviver e preservar a vida. É através do justo que a história
continua.” (Bíblia Pastoral)
II.
A ACA PARA OS ELEITOS: JULGAMENTO E
SALVAÇÃO.
A situação
pecaminosa da humanidade exigia medidas radicais; fossem condenatórias ou
salvificas. A arca naquele momento representava a alternativa transicional –
julgamento à salvação para Noé e sua família. Embora estivessem livres das
águas diluvianas, no aspecto
condenatório, eles estariam sob as
conseqüências das mesmas passando por:
1. Um
julgamento parcial e simultâneo ao:
a) Construir
a Arca – Gn 14-16 – a obediência seria fundamental quanto ao material,
estrutura e desenho da arca, como também quanto aos que nela entrariam (Gn
6,19-22).
b) Entrar
na arca – este seria o momento de dar as
costas para o mundo conhecido e entregar-se pela fé numa rendição incondicional
àquele que via Noé como justo no meio de
uma geração corrupta – Gn 7,1.
c) Esperar
– para começar a chuva; “um, dois, três... seis dias e ...”... nada de chuva. O
que representaram para Noé esses dias de espera?
"No ano
seiscentos da vida de Noé, no segundo mês, no décimo sétimo dia do mês,
romperam-se naquele dia todas as fontes do grande abismo, e abriram-se as
barreiras dos céus. "A chuva caiu sobre a terra durante quarenta dias e
quarenta noites". (Gn 7,11-12).
"As fontes do
abismo fecharam-se, assim como as barreiras dos céus, e foram retidas as
chuvas". (Gn 8,2).
“O
texto é repetitivo porque mistura duas tradições, de épocas diferentes, sobre o
dilúvio. A comparação com Gn 1,1-10 mostra que o dilúvio significa uma volta ao
caos primitivo; quando a humanidade destrói em si a imagem de Deus, a
conseqüência é a destruição de todo o mundo criado.” – Bíblia Pastoral.
2. Uma
purificação completa – Gn 7,21-23.
a)
Seu preço –
extermínio de todos os seres (Gn 7,23);
b)
Exceção – Noé
e os que com ele estavam (Gn 7,23b);
c)
Resultado duplo – salvação
e condenação (Gn 7,21-23).
Salvação
– para Noé e sua família, que ousaram crer e obedecer. Porque foram diferentes
de seus contemporâneos – "Pela fé na palavra de Deus, Noé foi avisado a
respeito de acontecimentos imprevisíveis; cheio de santo temor, construiu a
arca para salvar a sua família. Pela fé ele condenou o mundo e se tornou o
herdeiro da justificação mediante a fé". (Hb 11,7).
III.
A ARCA PARA OS IMPIOS: JULGAMENTO E
CONDENAÇÃO.
"Pela fé na
palavra de Deus, Noé foi avisado a respeito de acontecimentos imprevisíveis;
cheio de santo temor, construiu a arca para salvar a sua família. Pela fé ele
condenou o mundo e se tornou o herdeiro da justificação mediante a fé". (Hb
11,7).
Convém salientar
que os humanos daquela época estavam tão “entregues a si mesmo”, aos
cuidados do mundo – "Nos dias que precederam o dilúvio, comiam, bebiam,
casavam-se e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca. E
os homens de nada sabiam, até o momento em que veio o dilúvio e os levou a
todos. Assim será também na volta do Filho do Homem". (Mt 24,38-39),
que não se aperceberam da sentença mortal que pairava sobre eles – "se não poupou o mundo antigo, e só
preservou oito pessoas, dentre as quais Noé, esse pregador da justiça, quando
desencadeou o dilúvio sobre um mundo de ímpios;" (2Pd 2,5).
É bom notar a
tipologia da arca como símbolo de Jesus - em Cristo a salvação para todos os
que nele creêm.
IV.
ENCERRADO O PRIMEIRO JULGAMENTO DA
HUMANIDADE.
Aparecia um novo mundo
– "E eis que pela tarde ela voltou, trazendo no bico uma folha verde de
oliveira. Assim Noé compreendeu que as águas tinham baixado sobre a
terra". (Gn 8,11).
Descia uma nova
família da arca – certamente não mais com entrara, pois quem testemunhara estas
maravilhas certamente não seria mais o mesmo. (“um homem não entra duas vezes
no mesmo rio; da segunda vez não é o mesmo homem nem o mesmo rio” – Heracílito
de Éfeso, séc. Vi aC.).
Temos, nesse
momento, a realização da primeira celebração no novo mundo - "E Noé
levantou um altar ao Senhor: tomou de todos os animais puros e de todas as aves
puras, e ofereceu-os em holocausto ao Senhor sobre o altar". (Gn
8,20).
O Senhor recebe,
aspira, e conclui: “Doravante, não mais amaldiçoarei a terra por causa do homem
porque os pensamentos do seu coração são maus desde a sua juventude, e não
ferirei mais todos os seres vivos, como o fiz.” – Gn 8,21.
“Através
do justo, Deus começa uma nova criação (comparar 9,1-7 com Gn 1,28-30). A nova
criação começa com uma oferta a Javé, que não deixa o homem ser dominado pelo
caos. Ele promete nunca mais destruir a sua criação: doravante, ele aceita a
ambigüidade humana (v. 21), que também é responsável pela ambigüidade do mundo
e da história. Experimenta-se a graça na estabilidade da ordem natural, não
obstante o contínuo pecar do homem.” – Bíblia
Pastoral.
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