“Não pagueis a ninguém o mal com o mal. Aplicai-vos a fazer o bem diante de todos os homens.” Rm 12,17.
1- INTRODUÇÃO.
Um sagaz observador do cristianismo disse certa vez: “Vocês, cristãos, parecem possuir uma religião que os faz miseráveis. Vocês se assemelham a um homem com dor de cabeça. Ele não deseja livrar-se de sua cabeça, mas ela lhe é uma continua aflição. Não esperem que os de fora estejam ansiosos por conseguir coisa tão desoladora”. Será que alguém que pauta sua vida pelos princípios do Sermão da Montanha é um desolado? Pelo contrário, sem ignorar a abnegação implícita, é o único padrão de felicidade que alguém pode conhecer. Nisso está a diferença nas relações interpessoais.
2- REAÇÃO POSITIVA SEM RETALIAÇÃO – Mt 5,38-42.
Não é exatamente o que alguém faz contra nós que nos prejudica, mas amaneira como reagimos. É verdade que não podemos controlar o que as pessoas fazem, mas na qualidade de cristãos podemos controlar nossas reações. Firmado nisso, ninguém deve sentir vitima de circunstancias. Muitos são convertidos em suas ações: não roubam, não mentem, não cometem adultério. Mas reagem negativamente diante do que lhes acontece. As reações erradas os levam para a amargura e o ódio.
Nossas reações dizem muito sobre nosso nível de maturidade cristã. Jesus nos ensina que devemos nos desfazer do espírito de relação a respeito de qualquer ofensa ou dano que nos tiverem fito.
I. A vingança não nos pertence – Mt 5,38-39.
As punições para as infrações morais e legais eram atribuídas às autoridades constituídas e ao próprio Deus (Ex 21,22-25; Lv 24,19-20; Dt 19,14-21; Sl 94,1; Rm 12,19; 13,1-7; Hb 10,30-31). O erro dos escribas e fariseus foi estenderem as prerrogativas dos tribunais para as relações pessoais. Embora a lei proibisse a vingança – “Não te vingarás; não guardarás rancor contra os filhos de teu povo.” (Lv 19,18), eles ensinavam exatamente o contrario.
Quando Jesus disse: “Não resistais ao perverso” (Mt 5,39), ele não estava contradizendo o principio verdadeiro e justo da retribuição. Embora esse princípio pertença aos tribunais legais e ao juízo de Deus, nunca deve ser aplicado aos relacionamentos pessoais.
Quando maltratado, o cristão deve reagir com o perdão, nunca com a retaliação – “Então Pedro se aproximou dele e disse: Senhor, quantas vezes devo perdoar a meu irmão, quando ele pecar contra mim? Até sete vezes? Respondeu Jesus: Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete.” (Mt 18,21-22).
II. Quatro ilustrações – Mt 5,39-42.
As ilustrações mencionadas nesse texto não devem ser entendidas literalmente; elas são usadas para destacar o fato de que o cristão, para não se vingar de alguém que o tenha ofendido pessoalmente, vai ao extremo oposto.
a) A outra face – (v 39)
Nossa tendência natural quando ofendidos é revidar imediatamente, se possível, aplicando um sofrimento maior do que aquele que recebemos, Jesus nos ensina que devemos estar preparados para sofrer sem responder com vingança. Se Jesus e os apóstolos não revidaram quando ultrajados, não deve ser diferente conosco (1 Pd 2,21-23; 1 Cor 4,9-13).
b) A capa – (v 40).
De acordo com as leis judaicas um credor podia tomar a túnica (roupa interior) do devedor como fiança. Mas se a roupa externa (a capa) lhe fosse tomada, teria de ser devolvida antes do por do sol, porque era natural que o devedor precisaria dela contra o frio da noite – “Se tomares como penhor o manto de teu próximo, devolver-lho-ás antes do pôr-do-sol, porque é a sua única cobertura, é a veste com que cobre sua nudez; com que dormirá ele?” (Ex 22,26-27). O cristão deve estar disposto a sofrer a injustiça e o dano – “Na verdade, já é um mal para vós o fato de terdes processos uns contra os outros. Por que não preferis sofrer injustiça? Por que não preferis ser espoliados?” (1 Cor 6,7).
c) A segunda milha – (v 41).
Havia um costume romano de que qualquer cidadão do império podia ser recrutado compulsoriamente para levar uma carta ou fazer outro serviço que lhe impusessem. A milha romana media um quilometro e meio. O ensino de Jesus é que o cristão deve fazer além daquilo que lhe for solicitado.
d) O pedinte – (v 42).
Nesse ponto, Jesus trata da questão do dar e do emprestar. Uma vez mais está em pauta a negação do próprio “eu”, mostrando o quanto esta errada a nossa tendência natural de agarrar as coisas e dizer: o que é meu é meu. Acreditamos que Jesus não está nos ensinando a dar indiscriminadamente, pois existem os escroques e pedintes profissionais que são verdadeiros sanguessugas e devem ser tratados como merecem – “Aliás, quando estávamos convosco, nós vos dizíamos formalmente: Quem não quiser trabalhar, não tem o direito de comer.” (2 Ts 3,10). Isso não diminui o principio de que o cristão deve ser dotado de impulsos generosos (Gl 6,10; 1 Jo 3,17-18).
3- AMOR ATIVO COM DISTINÇAO – Mt 5,43-48.
Jesus não espera que tenhamos apenas uma atitude passiva diante do perverso, mas que tenhamos também um amor ativo para com os nossos inimigos. Nas palavras de Agostinho (Santo Católico): “Muitos tem aprendido a oferecer a outra face, mas não sabem como amar a pessoa que os esbofeteou”.
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A lei dizia: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18). Alem de omitirem as palavras “como a ti mesmo”, os escribas acrescentavam: “odiaras o teu inimigo” (Mt 5,43). Para eles “o próximo” era apenas outro judeu, colocando todas as demais pessoas na categoria de inimigos. E, sendo inimigos, poderiam ser também odiados. Desprezavam outros mandamentos que regulavam a conduta do judeu para com os inimigos (Ex 23,4-5).
Para Deus, nosso “próximo” inclui nosso inimigo. Todo ser humano é nosso próximo. Nesse sentido foi que Jesus apresentou aos discípulos um padrão bem mais abrangente do amor ao próximo.
I. Amor pelos inimigos (v 44).
Mesmo odiado, é dever de o cristão buscar o bem – estar material e espiritual do próximo (Lc 6,27.35; Rm 12,20-21).
II. Orar pelos perseguidores (v 44).
Para orar por quem nos perseguem é necessário amar tal pessoa e, à medida que continuamos a orar por ela, passamos a amá-la ainda mais. Jesus orou por seus algozes enquanto era crucificado – “E Jesus dizia: Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem.” (Lc 23,34). Estevão “Posto de joelhos, exclamou em alta voz: Senhor, não lhes leves em conta este pecado... A estas palavras, expirou.” (At 7,60).
III. O amor que faz a diferença (v 45-47).
Os escribas e os fariseus faziam do ódio aos inimigos parte integrante de sua religião. Ao contrario disso, o que nos identifica como filhos de Deus é o amor para com todas as pessoas indistintamente (v 45). Se amarmos apenas nossos queridos e amigos, estamos na mesma categoria dos incrédulos sem Jesus, pois esse nível de amor era praticado até entre os vigaristas publicanos (v 46). Se saudarmos apenas os membros da nossa igreja, que fazemos de mais? Até os pagãos fazem isso com seus companheiros (v 47). O que Jesus espera de seus discípulos é o extraordinário. É aquilo que somente o cristão nascido de novo pode fazer, pela graça de Deus.
IV. O padrão do amor cristão (v 48).
É claro que quando Jesus fala de sermos perfeitos como Pai celeste ele não se refere ao estado de perfeição sem pecado, por isso ninguém atinge nesta vida. O texto paralelo de Lucas – “Sede misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso.” (Lc 6,36) – ajuda a entendermos que Deus nos chama para sermos perfeitos em amar, ou seja, amar até os nossos inimigos com a mesma quantidade do amor de Deus.
4- CONCLUSÃO.
Há quem diga que o conceito “ame os vossos inimigos” não se encontra em nenhum outro livro tido como inspirado. Isso ilustra o fato de que os princípios apresentados no texto básico desta lição são próprio do cristianismo bíblico, e que, postos em pratica, produzem uma diferença impar na vida do cristão. Estamos vivendo essa diferença?
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