“Como o cervo anseia pelas correntes das águas, assim a minha alma anseia por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e verei a face de Deus?” – Sl 42,1-2
- INTRODUÇÃO.
Gerações de expositores bíblicos têm aclamado as Bem-aventuranças como revolucionárias. As afirmações de Jesus são opostas à maneira que o mundo pensa. O mundo acha que a verdadeira felicidade vem de popularidade, riqueza, sucesso, beleza física, mas Jesus vira tudo de cabeça para baixo. Ele declara que a verdadeira alegria (que vem do conhecimento do favor divino) pertence não aqueles que parecem estar no topo do mundo, mas aos pobres de espírito, àqueles que choram, que tem fome e sede de justiça.
Vamos considerar detalhadamente cada bem-aventurança. Sugiro que os primeiros quatros tratam do relacionamento do cristão com Deus, e as ultimas quatro do relacionamento do cristão com o próximo.
- O RELACIONAMENTO DO CRISTÃO COM DEUS – Mt 5,3-6.
I. Os humildes de espírito (v 3).
A palavra pobre ou humilde descreve o homem que não tem absolutamente nada – o homem que, pelo fato de não ter nada neste mundo, põe toda a sua confiança em Deus. Assim Davi escreveu o Sl 34,6 – “Clamou este pobre, e o Senhor o ouviu, e o livrou de todas as suas angústias”. Gradualmente, a palavra pobre passou ater o sentido de uma humildade dependência de Deus. Esta bem-aventurança ensina duas verdades:
a) Reconhecer a nossa pobreza espiritual.
Não temos nada a oferecer a Deu. O homem humilde de espírito é aquele que reconhece a sua pobreza espiritual. Veja o que Jesus falou à Igreja de Laodiceia – “Porquanto dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta; e não sabes que és um coitado, e miserável, e pobre, e cego, e nu.” – Ap 3,17. Era uma igreja auto-satisfeita e bastante superficial. Quantos cristãos satisfeitos com seu estado espiritual cm seu estado espiritual são como o fariseu – “Graças te dou, ó Deus, que não sou como os demais homens: ladrões, injustos e adúlteros; nem como o publicano que está ali. Jejuo duas vezes na semana e pago o dízimo de todos os meus lucros. O publicano, porém, mantendo-se à distância, não ousava sequer levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador!” Lc 18,11-13. O publicano estava totalmente dominado pela percepção da sua falência moral e destruição espiritual – isto é ser humilde de espírito. “Porque eis o que diz o Altíssimo, cuja morada é eterna e o nome santo: Habitando como Santo uma elevada morada, auxilio todavia o homem atormentado e humilhado; venho reanimar os humildes, e levantar os ânimos abatidos.” Is 57,15; “Fui eu quem fez o universo, e tudo me pertence, declara o Senhor E o angustiado que atrai meus olhares, o coração contrito que teme minha palavra.” 66,2.
b) Receber o reino dos céus.
O reconhecimento da nossa pobreza espiritual é a condição indispensável para receber o reino de Deus. O que Jesus enfatiza é que o reino dos céus é oferecido somente àqueles que são humildes de espírito. Feliz é o crente que reconhece a sua pobreza espiritual.
II. Os que choram (v 4).
Está é uma bem-aventurança estranha. A palavra chorar é uma apalavra muito forte, usada para o lamento pelos mortos, lamentação por um parente querido – “E, rasgando as vestes, cobriu-se de um saco, e chorou o seu filho por muito tempo.” Gn 37,34 (Jacó quando pensou que seu filho José estava morto). Aqui não é o choro de luto, mas o choro de arrependimento. Quando Jesus se aproximou da cidade de Jerusalém, chorou pelo pecado do povo impenitente – “Aproximando-se ainda mais, Jesus contemplou Jerusalém e chorou sobre ela.” Lc 19.41. deve haver da parte do cristão essa tristeza pelos pecados dos outros – lagrimas quando vemos um irmão cair no pecado, em vez de fofoca sobre seu pecado.
Mas o que deve nos levar às lagrimas é a tristeza dos nossos próprios pecados, aquilo que Paulo descreve – “De fato, a tristeza segundo Deus produz um arrependimento salutar de que ninguém se arrepende, enquanto a tristeza do mundo produz a morte.” 2 Cor 7,10. Há uma ligação entre as primeiras duas bem-aventuranças. Ser “humilde de espírito” é sentir convicção pelo pecado; “chorar” é demonstrar contrição. Veja alguns exemplos bíblicos dessa tristeza pelo pecado – Davi (Sl 38,4.18); Isaías (Is 6,5); Pedro (Lc 5,8; Mt 26,75); Paulo (Rm 7,15.18-19.24).
Somente aquelas pessoas que choram pelos seus pecados serão consoladas pelo único conforto que pode aliviar o desespero, que vem pelo perdão da graça infinita de Deus – “Ao mesmo tempo, ouvi do trono uma grande voz que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens. Habitará com eles e serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles. Enxugará toda lágrima de seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque passou a primeira condição.” (Ap 21,3-4). De fato, bem-aventurado o cristão com o coração compungido!
III. Os mansos (v 5).
Não é fácil traduzir esta palavra do grego. Manso é uma palavra usada para descrever um animal que foi domesticado e treinado a obedecer ao comando do seu mestre. Alguém manso é uma pessoa que demonstra autocontrole. Moises foi considerado um varão “mui manso” – “Ora, Moisés era um homem muito paciente, o mais paciente da terra.” Nm 12,3. Bem-aventurado é o cristão que tem todo o impulso e toda a paixão natural sob controle e sabe quando deve e quando não deve irar-se – “Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas.” Mt 11,29.
São essas pessoas “mansas” que “herdarão a terra”. Scott comenta – “A condição pela qual tomamos posse de nossa herança espiritual em Cristo, não é a força, mas a mansidão, pois tudo é nosso se somos de Cristo”. É a bem-aventurança da pessoa cuja vida é controlada por Deus!
IV. O que tem fome e sede de justiça (v 6).
A fome aqui não é a fome que a gente tem antes do almoço – “Estou com fome!” é a fome de uma pessoa que não tem absolutamente nada para comer. É a sede de um moribundo desesperado para beber água. Quantos desejaram justiça? É quando um homem morrendo no deserto deseja comer e beber. Qual é a natureza dessa justiça?
a) Justiça moral.
É o caráter e a conduta do crente que deve agradar a Deus. Devemos desejar ardentemente um coração que agrada a Deus. Sede é um sinal de saúde. Quando a gente não tem apetite é motivo de preocupação. Como é triste ver em nossas igrejas uma falta de fome e sede de Deus! O salmista demonstrou a atitude correta – “Como o cervo anseia pelas correntes das águas, assim a minha alma anseia por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e verei a face de Deus?” Sl 42,1-2.
b) Justiça social.
Uma grande preocupação dos profetas menores foi a com as injustiças sociais que prevalecem – “Por isso, porque oprimis o pobre e lhe extorquis tributos em trigo,” Am 5,11; “Quando passará a lua nova, para vendermos o nosso trigo, e o sábado, para abrirmos os nossos celeiros, diminuindo a medida e aumentando o preço, e falseando a balança para defraudar? (Compraremos os infelizes por dinheiro e os pobres por um par de sandálias.) Venderemos até o refugo do trigo.” Am 8,5-6. Demonstramos fome dessas justiças quando buscamos a libertação dos oprimidos e a promoção dos direitos humanos.
- O RELACIONAMENTO DO CRENTE COM O SEU PROXIMO.
I. Os misericordiosos (v 7).
A misericórdia é compaixão e socorro para uma pessoa que não tem a mínima possibilidade de ajudar a si mesmo. Uma grande ilustração dessa verdade se acha na parábola do Bom Samaritano, que “usou de misericórdia” para com o viajante que foi assaltado no caminho de Jerusalém a Jericó e abandonado semimorto – Lc 10,25-37. Há tantas pessoas abandonadas pela sociedade e, muitas vezes, pela própria igreja, que necessitam de um ato de misericórdia da nossa parte. Muitas pessoas preferem isolar-se da situação dolorosa da humanidade.
II. Os limpos de coração (v 8).
Este foi o grande desejo de Davi – “Cria em mim, ó Deus, um coração puro.” Sl 51,10. Isso quer dizer que o coração limpo é o coração sincero. Como há uma grande necessidade do crente ser sincero, transparente, livre de falsidade no seu relacionamento com ouros! Vale a pena meditar no comentário de Stott – “Como são poucos os que dentre nós, vivem uma vida aberta! Somos tentados a usar uma máscara diferente e representar um papel diferente, de acordo com cada ocasião. Isso não é realidade, mas representação, que é a essência da hipocrisia”. E são poucas que verão a Deus, tanto agora com os olhos da fé, como no futuro, quando chegarmos na presença do Senhor, face a face! Esta é a bem-aventurança do cristão que “não entrega a sua alma à falsidade!”
III. Os pacificadores (v 9).
Há uma grande necessidade hoje em dia de pacificadores – na industria, entre empregador e empregado; na família, entre pais e filhos; na igreja, ente a liderança e membros, e entre um membro e outro – “Exorto a Evódia, exorto igualmente a Síntique que vivam em paz no Senhor.” Fl 4,2! A coisa mais fácil é criar caso, incentivar atritos. É preciso da nossa parte um grande esforço, como Paulo nos mandou – “Sede solícitos em conservar a unidade do Espírito no vínculo da paz.” Ef 4,3. Cada cristão tem de ser um pacificador, mas isso só é possível quando gozamos paz com Deus, a fonte de toda paz. Somos chamados a “seguir a paz com todos” (Hb 12,14) e, se depender de nós, “ter paz com todos os homens” (Rm 12,18).
IV. Os perseguidos por causa da justiça (v 10-12).
O Senhor nunca disse que seria fácil ser cristão. O preço pode ser bem alto. A vida cristã é difícil quando vivemos de acordo com a palavra de Deus. Pode haver perseguição física por causa da nossa fé, mas muitas vezes a perseguição é muito mais sutil, sejam calunias que temos de levar ou a perda de amigos porque somos cristãos. Até hoje, em vários países, ser cristão é sofrer expulsão de casa, ou meso morte como mártir. “A condição de ser desprezado ou rejeitado, injuriado e perseguido é um sinal do discipulado cristão, da mesma forma que um coração puro ou misericordioso” (Stott). Não há duvida que a perseguição é simplesmente o conflito entre dois sistemas de valores irreconciliáveis.
Perseguição tem sido a marca dos fieis no decorrer da historia. Em relação ao tempo do AT lemos: “Outros sofreram escárnio e açoites, cadeias e prisões. Foram apedrejados, massacrados, serrados ao meio, mortos a fio de espada. Andaram errantes, vestidos de pele de ovelha e de cabra, necessitados de tudo, perseguidos e maltratados, homens de que o mundo não era digno! Refugiaram-se nas solidões das montanhas, nas cavernas e em antros subterrâneos.” Hb 11,36-38. No inicio da Igreja os discípulos sofreram a calunia de estar embriagados – “Outros, porém, escarnecendo, diziam: Estão todos embriagados de vinho doce.” At 2,13; os discípulos foram presos e se lhes ordenou que “absolutamente não falassem nem ensinassem em nome de Jesus.” At 4,18; Estevão foi apedrejado e tornou-se o primeiro mártir.
a) Motivo da perseguição.
“Por causa da justiça” – não há crédito em ser perseguido por causa da nossa estupidez pecado (“Se fordes ultrajados pelo nome de Cristo, bem-aventurados sois vós, porque o Espírito de glória, o Espírito de Deus repousa sobre vós. Que ninguém de vós sofra como homicida, ou ladrão, ou difamador, ou cobiçador do alheio. Se, porém, padecer como cristão, não se envergonhe; pelo contrário, glorifique a Deus por ter este nome.” 1Pd 4,14-16.
“Por minha causa” – Quando aceitam Cristo e a salvação que Ele oferece. Num mundo onde Cristo foi rejeitado (e crucificado), seu seguidores devem esperar compartilhar dos sofrimentos dEle – “Anseio pelo conhecimento de Cristo e do poder da sua Ressurreição, pela participação em seus sofrimentos, tornando-me semelhante a ele na morte,” Fl 3,10.
b) Reação diante da perseguição.
“Regozijai-vos e exultai”
c) Premio pela perseguição.
“Grande é o vosso galardão” – veja Rm 8,18; 2 Cor 4,17; Tg 1,12; 1Pd 4,13.
- CONCLUSAO.
Todos os cristãos devem demonstrar todas as características detalhadas aqui. Cristãos não têm a liberdade de escolher alguma área especial e negligenciar outra, mas são chamados a crescer em tosos os aspectos – “Mas, pela prática sincera da caridade, cresçamos em todos os sentidos, naquele que é a cabeça, Cristo.” Ef 4,15.
Nenhum comentário:
Postar um comentário