LIÇÃO 01 – OS
TRÊS ESTADOS DE CRISTO
“Agora, pois, glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com
aquela glória que eu tinha contigo antes que o mundo existisse.” (Jo 17,5).
Uma célebre frase marcou o estudo
da cristologia através dos séculos – “Jesus Cristo não começou no dia em que
nasceu”. – Ela se faz presente em muitos escritos sobre a Pessoa de Cristo
e é a chave para entendermos o mistério de Cristo. Mistério porque quando
estudamos o “Cristo em três tempo”, nossa mente recebe uma nova
iluminação, que faz com que muitas passagens das Escrituras comecem a fazer
sentido.
Ao estudarmos os três estados de
Jesus Cristo, precisamos esclarecer algo. A palavra estado vem da raiz do verbo
“estar”. Assim, o estado é o “modo de estar” ou “condição”. Por exemplo, alguém que
está hospitalizado se encontra no estado de paciente; uma pessoa perante um
tribunal está na condição de réu. Entretanto, os estado de Cristo se referem
não a uma condição em que ele se encontra em determinado momento, mas a uma
tríplice e completa visão da sua pessoa e obra. Porque, na verdade, mesmo ele
vivendo no estado de humilhação, jamais deixou de ser eterno. Este fenômeno não
é fácil de explicar porque Jesus Cristo é único. Daí o Apocalipse apresenta-lO
como Aquele – “...que é, e que era, e que há de vir.” (Ap 1,4,8).
A figura a seguir procura ilustrar
os três estados de Jesus Cristo (Preexistente, Humilhado e Exaltado)
a linha que tem duas setas simboliza a “a linha da eternidade de Jesus
Cristo”, sem começo ou fim. A linha pontilhada significa o “intervalo”
que ele viveu nesta eternidade, que é o seu estado de humilhação, ou seja, seu
ministério terreno. Observe que após cumprir seu ministério, ele é elevado às
alturas e entra novamente na linha da eternidade, embora jamais tenha saído
dela.
I – O CRISTO PREEXISTENTE.
“Respondeu-lhes
Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, eu sou.” (Jo
8,58).
Este é o estado de ser eternamente
divino. Nunca houve um tempo ou uma época que Jesus Cristo não existia. Ele
é Deus, e como Deus é eterno, Cristo sempre existiu e existirá pelos séculos
dos séculos – “Eu sou o que vivo; fui morto, mas eis aqui estou vivo para
todo o sempre!” (Ap 1,18a).
1 – Confirmação bíblica.
- Antigo Testamento.
- A expressão “...Façamos o homem à nossa
imagem, conforme a nossa semelhança; ...” (Gn 1,26), revela a
preexistência de Cristo. O verbo “façamos” e o possessivo “nossa” indicam pluralidade na
criação.
- Em Is 9,6 – “Porque um menino nos nasceu, um
filho se nos deu; e o governo estará sobre os seus ombros; e o seu nome
será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz.” –
o “menino” é também
chamado de “Pai da Eternidade”. A expressão significa “aquele
que possui a eternidade”.
- Mq 5,2 – “Mas tu, Belém Efrata, posto que pequena para estar entre os milhares de Judá, de ti é que me sairá aquele que há de reinar em Israel, e cujas saídas são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade.” – declara que Aquele que nasceria em Belém e que haverá de reinar em Israel tinha suas origens “desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade.”
- Novo Testamento.
- O evangelho de João fornece importantes
declarações sobre a preexistência de Cristo. A principal delas está em Jo
1,1-2 – “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o
Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus.”, que será
analisada posteriormente; seguida de Jo 8,58 – “Respondeu-lhes Jesus:
Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, eu sou.”
E depois Jo 17,5.24 – “Agora, pois, glorifica-me tu, ó Pai, junto de
ti mesmo, com aquela glória que eu tinha contigo antes que o mundo
existisse. Pai, desejo que onde eu estou, estejam comigo também aqueles
que me tens dado, para verem a minha glória, a qual me deste; pois que me
amaste antes da fundação do mundo.” Nas quais ocorre a proposição “antes”.
- Em Cl 1,17 – “Ele é antes de todas as
coisas, e nele subsistem todas as coisas.” Paulo atesta que Cristo é “antes
de todas as coisas”. A preposição “antes” indica tanto o aspecto temporal quanto
a preeminência de Cristo, isto é, a Sua preexistência lhe concede poder,
autoridade e prioridade. Ele é o Senhor de toda a Criação. Ele não apenas
criou mas sustenta todas as coisas (cf Hb 1,3).
- Hb 7,3 – “(...sem pai, sem mãe, sem
genealogia, não tendo princípio de dias nem fim de vida, mas feito
semelhante ao Filho de Deus), permanece sacerdote para sempre.” Não
afirma diretamente que Melquisedeque foi um cristofania (manifestação de
Cristo), mas afirma que ele foi “feito semelhança ao filho de Deus”.
Todavia, o que nos interessa é que o texto declara que ele “não teve
princípio de dias”. Só pode estar falando do Cristo preexistente.
- Finalmente chegamos ao Apocalipse. Já
mencionamos na introdução deste capítulo uma passagem (Ap 1,4,8).
Agora vamos apenas destacar Ap 22,13, onde o próprio Jesus diz ao
apóstolo João – “Eu sou o Alfa e o Ômega, o primeiro e o derradeiro, o
princípio e o fim.” Observe estas três palavras – “Alfa, Primeiro
e Principio” – Sabe o que Jesus esta dizendo? Eu dei a palavra
inicial, porque Eu Sou Preexistente, Eu Existo antes de todas as coisas.
Eu comecei tudo e, por isso, vou terminar tudo; porque também sou Ômega,
Último e Fim.
2 – A importância da doutrina.
Encontramos aqui o maior contraste
entre a criatura e o Criador. O Criador é eterno, existindo antes do nascimento
de qualquer indivíduo. Crer na preexistência de Cristo é essencial a qualquer
cristão, porque nos ensina que Jesus Cristo não pertence à ordem criada. Pelo contrário,
Ele é o criador. O apóstolo João afirma – “Todas as coisas foram feitas por
intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez.” – (Jo 1,3).
3 – Análise do texto.
Dentre os textos bíblicos citados
anteriormente, iremos analisar mais detalhadamente um deles – Jo 1,1. A
palavra grega para o “verbo” é logos. Mas o que é logos?
No ano 500 a.C., viveu um filósofo
grego chamado Heráclito. Se você perguntasse a ele o seu conceito de mundo, ele
responderia com uma só palavra – “fluxo”. Como assim? Ele afirmaria que
tudo está num estado de mudança, nada existe de estático no mundo. Ai você
faria outra pergunta: “Mas se tudo está em mudança, então porque o mundo não
é totalmente um caos, uma bagunça?” Heráclito responderia a você?: “É
que todas as coisas acontecem de acordo com o logos”. “Que é logos?” Ele
diria: “No mundo, há um raciocínio, uma mente operante: essa mente é a mente
de Deus, o logos de Deus, e é esse logos que faz o mundo um cosmos ordenado e
não um caos”.
O que Heráclito chamava de “mente
de Deus”, o apostolo João, inspirado pelo Espírito Santo, afirmou que é o
Próprio Jesus Cristo. Todavia, presta bastante atenção à diferença: João não
disse que Jesus é a mente de Deus; afirmou que o Verbo (logos) é Deus. Pois
quando declara em Jo 1,1 – “...e o verbo era Deus” – está dizendo que
Cristo existe desde quando Deus existe. O tempo do verbo “era” no grego é imperfeito, que denota uma ação
contínua no passado; em português é o pretérito imperfeito, que expressa um
fato passado não concluído. O que tudo isso quer dizer? Que o texto afirmando o
que Jesus Cristo um dia foi e hoje não é mais; porem, o que Ele sempre foi e
continua sendo, isto é Deus.
Os estudiosos do Novo Testamento
dizem que provavelmente João estava refutando (combatendo) uma idéia errônea do
seu tempo, segundo a qual Jesus é uma emanação de Deus, distinta da divindade.
Isto é, literalmente, uma heresia. Jesus Cristo não é um “ser” criado
por Deus. Ele mesmo disse – “Eu e o Pai somos um.” (Jo 10,30).
II – O CRISTO HUMILHADO.
“mas
esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, tornando-se semelhante aos
homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se
obediente até a morte, e morte de cruz.” (Fp 2,7-8).
O segundo estado de Jesus Cristo é
a Humilhação. Refere-se ao estado terreno de existência temporal humana
– “...vemos, porém, aquele que foi feito um pouco menor que os anjos, Jesus,
coroado de glória e honra, por causa da paixão da morte, para que, pela graça
de Deus, provasse a morte por todos.” – (Hb 2,9); (cf 2Cor 8,9; Fp 2,7-8;
Gl 4,4-5). É o período da encarnação, do ministério terreno de Cristo indo até
a cruz. Entretanto, aqui queremos simplesmente olhar para Fp 2,7-8 e perguntar:
“Do que Cristo se esvaziou e se humilhou?” alguns pensam que foi de
atributos divinos. Mas não cremos assim. Acreditamos que, dentre outras coisas,
o auto-esvaziamento e auto-humilhação de Cristo tem estes aspectos:
1 – Ele reuniu à Sua relação no
que se refere à lei divina.
Enquanto permanecia no céu,
nenhuma carga de culpa pesava sobre Ele. Mas em Sua encarnação tomou sobre Si
essa carga começou a carrega-la para fora do mundo – “No dia seguinte João
viu a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o
pecado do mundo.” – (Jo 1,29).
2 – Ele renunciou às Suas
riquezas.
Jesus estava sempre pedindo algo
emprestado: um lugar onde pudesse
nascer, uma casa onde pudesse pernoitar, um barco de onde pudesse
pregar, de um animal em que pudesse cavalgar, uma sala onde pudesse instituir a
Ceia do Senhor e, finalmente, um túmulo onde pudesse ser sepultado – “pois
conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, por amor de
vós se fez pobre, para que pela sua pobreza fôsseis enriquecidos.” – (2Cor
8,9).
3 – Ele renunciou à sua Glória celestial.
“Agora, pois, glorifica-me tu, ó
Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que eu tinha contigo antes que o
mundo existisse.” – (Jo 17,5).
“Era desprezado, e rejeitado dos
homens; homem de dores, e experimentado nos sofrimentos; e, como um de quem os
homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso algum.”
– (Is 53,3).
4 – Ele renunciou ao livre
exercício de Sua autoridade
“...ainda que era Filho, aprendeu
a obediência por meio daquilo que sofreu.” – (Hb 5,8). Ele mesmo disse:
“...não procuro a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.” – (Jo
5,30; 5,19; 14,24).
Cristo renunciou a seu ambiente de
glória. Ele despojou-se de seu poder e majestade divinos ao fazer-se
semelhantes aos seres humanos. Ao dizer que “o qual, subsistindo em forma de
Deus, não considerou o ser igual a Deus, coisa a que se devia aferrar.” –
(Fl 2,6), o autor estava simplesmente afirmando que Jesus Cristo não julgou sua
igualdade a Deus algo que não pudesse abrir a mão.
III – O CRISTO EXALTADO.
O terceiro estado de Jesus Cristo
é a Exaltação. Também chamado de Glorificação, refere-se ao estado
celestial de exaltação e glória (Mt 19,28; Lc 24,26; Jo 7,39; At 2,33; 5,31;
Rm 8,17; Ef 1,20; Hb 1,13). Todos estes textos (e há outros mais) ressaltam
a ressurreição, a ascensão e a posição de Cristo à direita de Deus, eventos que
caracterizam a Exaltação de Cristo Jesus.
CONCLUINDO
O grande valor do estudo dos estados de Jesus Cristo está em
abrir nossa visão quanto à sua Pessoa e obra. Nos Evangelhos é comum o Senhor
tratar com o passado, o presente e o futuro com se para Ele fossem a mesma
coisa. Muitas vezes as pessoas não entendiam o que Jesus dizia porque O viam
simplesmente assim – “Não é este o carpinteiro, filho de Maria, irmão de
Tiago, de José, de Judas e de Simão? e não estão aqui entre nós suas irmãs? E
escandalizavam-se dele.” – (Mc 6,3).
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