03 – AS
LIMITAÇÕES DE JESUS
“Então
lhes disse: A minha alma está triste até a morte; ficai aqui e vigiai comigo.” (Mt
26,38).
Pode parecer-nos estranho, até
mesmo uma blasfêmia, a simples hipótese de que o nosso Senhor Jesus Cristo, que
é eternamente Deus, tenha experimentado fraquezas e limitações quando esteve na
terra como homem. Mas o fato é que, ao assumir identidade humana, ele se identificou
conosco de tal maneira que, inevitavelmente, vivenciou as limitações peculiares
à humanidade. Isso não implica que Jesus tenha sido imperfeito (nem como homem,
nem como Deus) ou que tenha perdido seus atributos divinos. O que acontece é
que Jesus voluntariamente “esvaziou-se”
de poder e glória, passando a depender em quase tudo da orientação do
Pai e da capacitação do Espírito Santo.
Jesus Cristo, enquanto homem, teve
de aprender tudo aquilo que é necessário para se tornar pessoa normal, madura e
equilibrada. E nesse processo de desenvolvimento experimentou todas as
dificuldades que um aprendizado acarretam – “...ainda que era Filho,
aprendeu a obediência por meio daquilo que sofreu.” (Hb 5,8).
Procuraremos entender melhor a que
ponte Ele teve de se humilhar a fim de nos resgatar. E esperamos que essa
compreensão fortaleça ainda mais a nossa fé e submissão irrestrita àquele que
tanto nos amou.
I – JESUS EXPERIMENTOU LIMITAÇÕES FÍSICAS.
Olhando para o que a
Bíblia diz sobre a vida de Jesus , descobrimos muitos argumentos que comprovam
sua perfeita humanidade, embora também fosse plenamente Deus. Sendo ele ser
humano, estava sujeito às mesmas limitações próprias de nossa natureza.
1 – Seu organismo era limitado.
Embora tenha sido
concebido de maneira sobrenatural, a verdade é que sem os nutrientes e o
oxigênio recebidos de sua mãe na fase pré-natal, certamente teria perecido
(morto). Depois de nascido, precisou de leite, papinha, fruta e etc... como
qualquer bebê humano. Precisou de cuidados especiais, de higiene, remédio,
agasalho. Ele estava sujeito a se desidratar, ferir, intoxicar, porque seu
organismo era absolutamente normal.
2 – Seu corpo era limitado.
Jesus atravessou todas
as etapas de desenvolvimento pelas quais passamos. Lucas diz: “E crescia
Jesus em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e dos homens.” (Lc 2,52). O
fato de sabermos que ele crescia em estatura confirma que seu corpo precisou de
se desenvolver, como o de qualquer pessoa. Ele não veio como um “Super-Homem” à prova de balas. Jesus veio num corpo
mortal, precisou ser cuidadoso enquanto manuseava as ferramentas na carpintaria
– “Não é este o carpinteiro,” (Mc 6,3)
– pois seu corpo poderia ferir tal como acontece conosco – “Porque isto
aconteceu para que se cumprisse a escritura: Nenhum dos seus ossos será
quebrado.” (Jo 19,36). O sangue derramado no
flagelo e na crucificação é a maior prova dessa vulnerabilidade.
Há também aqui dois
pontos a considerar, pois se de um lado Jesus diz que seus opositores “tirar-lhe-ão
a vida” (Lc 18,33), por outro lado ele também
afirma que ninguém a tira, mas, sim, que ele espontaneamente a entrega – “Por
isto o Pai me ama, porque dou a minha vida para a retomar. Ninguém ma tira de
mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho autoridade para a dar, e tenho autoridade
para retomá-la. Este mandamento recebi de meu Pai.” (Jo 10,17-18). A divindade nos desfez a humanidade, nem a humanidade
enfraqueceu sua divindade.
3 – Sua resistência era limitada.
Jesus ficava cansado – “achava-se
ali o poço de Jacó. Jesus, pois, cansado da viagem, sentou-se assim junto do
poço; era cerca da hora sexta.” (Jo4,6),
sentia sono – “ele, porém, estava dormindo.” (Mt 8,24), sentia fome e fraqueza – “E, tendo jejuado quarenta
dias e quarenta noites, depois teve fome.” (Mt
4,2), sentia sede – “Veio uma mulher de Samaria tirar água. Disse-lhe
Jesus: Dá-me de beber.” (Jo 4,7), sentia dor –
“Por isso também Jesus, para santificar o povo pelo seu próprio sangue,
sofreu fora da porta.” (Hb 13,12). Deus
tornou-se homem e, na limitação de seu corpo humano, não suportou o tratamento
desumano a que foi submetido. Seus órgãos entraram em colapso, e Jesus morreu –
“De novo bradou Jesus com grande voz, e entregou o espírito.” (Mt 27,50).
Paulo seguiu o exemplo
de Jesus quando disse: “Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas
injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo.
Porque quando estou fraco, então é que sou forte.” (2Cor 12,10).
II – JESUS EXPERIMENTOU LIMITAÇÕES INTELECTUAIS.
É bom esclarecermos algo
sobre as duas naturezas de Cristo antes de avançarmos, pois é certo que tanto a
plenitude da humanidade como a plenitude da divindade estavam presentes na
pessoa de Cristo. Estas duas naturezas não estão misturadas nem confundidas de
maneira a formar uma terceira natureza, que não é uma nem outra. Pelo
contrario, cada uma das naturezas reteve suas próprias características sem
mudanças; de modo que em Cristo há inteligência e vontade finitas (natureza
humana) e inteligência e vontade infinitas (natureza divina).
Em conseqüência dessa
união de duas naturezas tão distintas,
podemos conceber a idéia de que a um só tempo Jesus Cristo foi mortal e
imortal, finito e infinito, nascido no tempo e existente desde a eternidade,
criatura e Criador, menor que Deus e igual a Deus, limitado e onisciente.
Tendo isso em mente é
que analisaremos as limitações experimentadas por Cristo em sua natureza
humana.
1 – Conhecimento limitado.
Se por um lado é verdade
que Jesus demonstrava um conhecimento extraordinário para os padrões da época,
é verdade também que, por vontade própria consentiu que a encarnação lhe
privasse do absoluto conhecimento de todas as coisas. Ele conhecia o passado, o
presente e o futuro em grau não permitido
a seres humanos comuns. Sabia por exemplo que Lazaro havia morrido – “Lázaro,
o nosso amigo, dorme, mas vou despertá-lo do sono.” (Jo 11,11); que a mulher samaritana tivera cinco maridos, antes do
amante com quem vivia – “...porque cinco maridos tiveste, e o que agora
tens não é teu marido; isso disseste com verdade.” (Jo 4,18); conhecia os pensamentos dos amigos – “Mas Jesus,
percebendo o pensamento de seus corações,...”
(Lc 9,47) e dos inimigos – “Mas ele, conhecendo-lhes os pensamentos,
disse ao homem que tinha a mão atrofiada: Levanta-te, e fica em pé aqui no
meio.” (Lc 6,8). Mas que ao esvaziar-se de sua onisciência
sujeitou-se até mesmo a uma capacidade intelectual limitada. Jesus mesmo
admitiu (como homem) que não sabia de tudo – “Quanto, porém, ao dia e à
hora, ninguém sabe, nem os anjos no céu nem o Filho, senão o Pai.” (Mc 13,32). Também o vemos perguntando coisas que
seriam desnecessárias se gozasse da plenitude de sua onisciência, porque
parcialmente, pelo menos, há mostras de onisciência – “Há quanto tempo
sucede-lhe isto?” (Mc 9,21).
2 – Aprendizado limitado.
Ele não nasceu
conhecendo tudo, nem aprendeu tudo de uma só vez. Jesus (como criança) precisou
aprender uma coisa de cada vez. O fato de ter crescido em sabedoria – (Lc
2,52) significa que lhe passou por um processo
de aprendizado normal, assim como todas as crianças – aprendeu a comer, a
falar, a andar, a ler e a escrever, a ser obediente aos pais – “...ainda
que era Filho, aprendeu a obediência por meio daquilo que sofreu.” (Hb 5,8).
III – JESUS EXPERIMENTOU LIMITAÇÕES EMOCIONAIS.
Ainda que exercesse pleno domínio
de suas emoções, Jesus estava exposto à instabilidade humana, que tantas às
vezes nos causa transtornos. A diferença é que ele, na força do Espírito Santo
, procurava sempre a manter o auto-controle de suas emoções, a fim de não cair
em pecado ou desviar-se de seus objetivos.
1 – Jesus sentia tristeza – “E levando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a
entristecer-se e a angustiar-se.” (Mt 26,37).
2 – Jesus sentia alegria – “Estas
coisas vos tenho dito, para que o meu gozo permaneça em vós, e o vosso gozo
seja completo.” (Jo 15,11).
3 – Jesus se angustiava – “E, posto
em agonia, orava mais intensamente; e o seu suor tornou-se como grandes gotas
de sangue, que caíam sobre o chão.” (Lc 22,44)
4 – Jesus ficava irritado – “Então
Jesus entrou no templo, expulsou todos os que ali vendiam e compravam, e
derribou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas; e
disse-lhes: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração; vós, porém,
a fazeis covil de salteadores.” (Mt 21,12-13).
5 – Jesus ficava comovido – “Jesus,
pois, quando a viu chorar, e chorarem também os judeus que com ela vinham,
comoveu-se em espírito, e perturbou-se. Jesus, pois, comovendo-se outra vez,
profundamente, foi ao sepulcro; era uma gruta, e tinha uma pedra posta sobre
ela.” (Jo 11,33.38).
6 – Jesus ficava preocupado – “Simão,
Simão, eis que Satanás vos pediu para vos cirandar como trigo.” (Lc 22,31).
7 – Jesus ficava admirado – “E
admirou-se da incredulidade deles. Em seguida percorria as aldeias
circunvizinhas, ensinando.” (Mc 6,6).
8 – Jesus sentia compaixão – “Vendo ele
as multidões, compadeceu-se delas, porque andavam desgarradas e errantes, como
ovelhas que não têm pastor.” (Mt 9,36).
IV – JESUS EXPERIMENTOU LIMITAÇÕES ESPIRITUAIS.
Como dissemos no inicio deste,
poderá parecer estranho a simples hipótese de que Jesus tenha experimentado
algumas limitações em decorrência da encarnação, mas a verdade declarada nas Escrituras é que Jesus, deliberadamente,
assumiu todas as limitações que um ser humano vivencia (física, emocional,
intelectual e até espiritual) a fim de uma prefeita identificação conosco não
obra que se propôs a fazer.
Embora tenha, por vontade própria,
abdicado da manifestação de seus atributos divinos, como o propósito de
tornar-se um de nós, Jesus ainda permaneceu plenamente Deus, sem nenhuma
limitação, no entanto, ao assumir o papel de criatura submeteu-se a restrições
nunca antes experimentadas pelo Criador. Na encarnação, Jesus colocou-se, de
corpo e alma, sob a autoridade do Pai, tornando-se dependente dele tal qual foi
planejado para os remidos do SENHOR. Vamos explicar melhor.
1 – Jesus (como homem)
precisou cultivar sua “vida religiosa”.
Apesar de ser filho de
Deus e ainda no ventre materno ter sido reconhecido como Deus – “Ao
ouvir Isabel a saudação de Maria, saltou a criancinha no seu ventre, e Isabel
ficou cheia do Espírito Santo, e exclamou em alta voz: Bendita és tu entre as
mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre! E donde me provém isto, que venha
visitar-me a mãe do meu Senhor? (Lc 1,41-43),
desde a infância buscou desenvolver seu relacionamento com o Pai – “E
crescia Jesus em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e dos
homens.” (lc 2,52). Ele participava de cultos
na sinagoga e o fazia regularmente – “Chegando a Nazaré, onde fora
criado; entrou na sinagoga no dia de sábado, segundo o seu costume, e
levantou-se para ler.” (Lc 4,16). Sua vida
devocional era uma indicação clara da dependência humana do Pai. Jesus orava
com regularidade – “Mas ele se retirava para os desertos, e ali orava.” (Lc 5,16), com intensidade – “E, posto em
agonia, orava mais intensamente; e o seu suor tornou-se como grandes gotas de
sangue, que caíam sobre o chão. (Lc 22,44), às
vezes por longos períodos, buscando sempre a direção nas escolhas e decisões
que iria tomar – “Naqueles dias retirou-se para o monte a fim de orar; e
passou a noite toda em oração a Deus.” (Lc
6,12).
2 – Jesus buscou forças no Pai a fim de suportar as
provocações.
Hebreus revela que Ele foi tentado
- “...porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado.”
(Hb4,15b). É evidente que Jesus, por causa de sua limitação humana. Se sentia
dependente do Pai até mesmo para resistir aos ataques do maligno nas horas de
tentação – “...e não nos deixes entrar em tentação; mas livra-nos do mal.
[Porque teu é o reino e o poder, e a glória, para sempre, Amém.]” (Mt
6,13); nos momentos de angustia – “E adiantando-se um pouco, prostrou-se com
o rosto em terra e orou, dizendo: Meu Pai, se é possível, passa de mim este
cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres. Retirando-se mais
uma vez, orou, dizendo: Pai meu, se este cálice não pode passar sem que eu o
beba, faça-se a tua vontade.” (Mt 26,39.42). Por outro lado, é verdade
também que Satanás temia a pessoa divina de Cristo – “E veio espanto sobre
todos, e falavam entre si, perguntando uns aos outros: Que palavra é esta, pois
com autoridade e poder ordena aos espíritos imundos, e eles saem?” (Lc
4,36).
CONCLUINDO
Na encarnação, por amor de nós,
Cristo se limitou, cumprindo o ministério a Ele entregue pelo Pai na força, no
poder e na capacitação concedidas por Deus e Pelo Espírito Santo. Tudo que Ele
fez, o fez nas limitações de Sua humanidade, a fim de demonstrar-nos o caminho
da vitória, que podemos trilhar mesmo com nossas limitações, se nos submetermos
inteiramente ao poder divino – “Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que
crê em mim, esse também fará as obras que eu faço, e as fará maiores do que
estas; porque eu vou para o Pai.” (Jo 14,12). O Ser espiritual se tornou
humano, para que o Ser humano pudesse se tornar espiritual. O Filho de Deus se
tornou “Filho do Homem” para que os filhos dos homens pudessem se tornar
“filhos de Deus”.
“Bendito
seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua grande
misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus
Cristo dentre os mortos.” (1Pd 1,3).
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