“Então Pedro tomou a palavra e disse: Em verdade, reconheço que Deus não faz distinção de pessoas,” At 10,34.
- INTRODUÇAO.
Tiago aqui levanta um problema de ordem interna da Igreja que deve ser tratado com muito cuidado e discernimento espiritual: o problema das diferenças entre os membros da Igreja. Não tomar partido, ou seja, não tratar os irmãos em Cristo com parcialidade deve ser a nossa opção como servos do Senhor Jesus Cristo – “Mas agora, libertados do pecado e feitos servos de Deus, tendes por fruto a santidade; e o termo é a vida eterna.” Rm 6,22. Honrar um irmão na congregação em detrimento do outro é, no mínimo, uma atitude incoerente em relação à fé cristã – “Conseqüentemente, já não sois hóspedes nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus. É nele que todo edifício, harmonicamente disposto, se levanta até formar um templo santo no Senhor. É nele que também vós outros entrais conjuntamente, pelo Espírito, na estrutura do edifício que se torna a habitação de Deus.” Ef 2,19-22 – que, portanto, deve ser evitada.
Tiago foi incumbido de enfatizar a ética cristã. Ele apresenta essencialmente o ensino de Cristo. Tem-se dito que a epistola de Tiago é baseado no sermão da montanha. Examinando-a com cuidado, verificamos que, até certo ponto, essa afirmação faz sentido – Mt 5,1-16.
No trecho de Tg 2,1-13, Tiago condena a parcialidade dentro do Corpo de Cristo, que é a Igreja. Se Cristo é o Senhor de nossa vida, por que não podemos fazer acepção de pessoas?
Para responder esta pergunta, vamos considerar pelo menos três razoes.
- PORQUE É INCOMPATIVEL COM O CARATER DE DEUS.
Acepção é a tradição de uma palavra grega que significa literalmente “receber o rosto”. No Novo Testamento ela é usada primeiramente como uma tradução literal da palavra hebraica do Antigo Testamento que corresponde ao nosso termo acepção. “Receber o rosto” é fazer julgamento e estabelecer diferenças baseadas em considerações externas, tais como aparência física, status social ou raça. Deus jamais agiria assim, conforme freqüentes afirmações nas Escrituras:
“Porque, diante de Deus, não há distinção de pessoas.” – Rm 2,11;
“Senhores, procedei também assim com os servos. Deixai as ameaças. E tende em conta que o Senhor está no céu, Senhor tanto deles como vosso, que não faz distinção de pessoas.” – Ef 6,9;
“Então Pedro tomou a palavra e disse: Em verdade, reconheço que Deus não faz distinção de pessoas,” – At 10,34;
“Quem cometer injustiça, pagará pelo que fez injustamente; e não haverá distinção de pessoas.” – Cl 3,25.
a. A discriminação vai contra o caráter de Deus, que nos criou à Sua imagem e semelhança – Gn 1,26-27.
b. A discriminação vai contra o caráter de Deus, que oferece oportunidades iguais de salvação para todos os povos, independente de raça, cor e posição social – 1Tm 2,3-6.
c. A discriminação vai contra o caráter de Deus, que julga de maneira imparcial as ações dos homens – At 10,34-35.
As indagações de Tiago – Tg 2,4-7 – parecem demonstrar certo favoritismo da parte de Deus pelos pobres. É mais fácil ter fé quando se é pobre? Aparentemente sim. “Para Tiago os ricos são perversos e os pobres são piedosos – “Ouvi, meus caríssimos irmãos: porventura não escolheu Deus os pobres deste mundo para que fossem ricos na fé e herdeiros do Reino prometido por Deus aos que o amam?” Tg 2,5 – Isso pode ter sido uma situação toda peculiar às pessoas a quem ele escreve” (Arthur Duck). Sabemos que o pobre pode ser tão ruim, tão ganancioso e com pensamento tão pervertido quanto o rico. O pobre só não tem as mesmas oportunidades.
Deus não julga o pobre por ser pobre. O fato é que todos aqueles que buscam a Deus de todo o coração vão achá-lo, quer sejam pobres ou ricos.
Deus não é influenciado por aparência. Logo, nós que professamos a nossa fé em Jesus, Senhor da Gloria, também não devemos ser influenciados por aparência.
- PORQUE É INCOMPATIVEL COM OS PRINCIPIOS CRISTAOS.
Arthur Duck afirmou que: “Como cristãos não podemos aceitar as divisões sociais e políticas que o mundo impõe sobre nós. A fé cristã tem que acabar com as distinções que existem na sociedade”.
A expressão: “Ouvi, meus caríssimos irmãos...” (Tg 2,5) demonstra certa severidade da parte de Tiago, mas ao mesmo tempo revela o seu cuidado pastoral pelas ovelhas. É como se ele estivesse dizendo: “favorecendo aos ricos vocês estão indo contra Deus, que favorece aos pobres”. Todos sabiam que Deus escolhera Israel no passado: e os próprios judeus se viam como o povo escolhido de Deus:
“Porque amou teus pais, e elegeu a sua posteridade depois deles, tirou-te do Egito com a força de seu poder.” – Dt 4,37;
“Não é porque sois mais numerosos que todos os outros povos que o Senhor se uniu a vós e vos escolheu; ao contrário, sois o menor de todos.” – Dt 7,7;
“Porque és um povo consagrado ao Senhor, teu Deus, o qual te escolheu para ser um povo que lhe pertença de um modo exclusivo entre todas as outras nações da terra”. – Dt 14,2.
Mas aqui Tiago o termo “eleição” de modo especifico aos pobres. Peter Davids informa-nos que “a maior parte dos membros da Igreja Primitiva era considerada de pobres como a de Jerusalém – ‘Vós conheceis a bondade de nosso Senhor Jesus Cristo. Sendo rico, se fez pobre por vós, a fim de vos enriquecer por sua pobreza. ’ – 2 Cor 8,9. Tiago está aplicando o ensinamento de Jesus sobre os pobres – ‘O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, para sarar os contritos de coração.’ – Lc 4,18; ‘Então ele ergueu os olhos para os seus discípulos e disse: Bem - aventurados vós que sois pobres, porque vosso é o Reino de Deus!’ – Lc 6,20. Jesus selecionara os pobres como os especialmente contemplados com o Seus reino. Eles são favorecidos aos olhos de Deus, visto que Deus os vê de modo bem diferente. Isto é, os pobres não são pessoas desprezíveis, mas são escolhidos para serem ricos na fé e herdeiros do reino”. Entretanto, é importantíssimo ressaltar que a pobreza em si não é caminho para a salvação, mas apenas deixa o coração mais fértil ou mais aberto para a semente do evangelho de Jesus Cristo.
Tiago faz determinadas perguntas e afirmações: - “Porventura não escolheu Deus os pobres deste mundo para que fossem ricos na fé e herdeiros do Reino prometido por Deus aos que o amam? Não são porventura os ricos os que vos oprimem e vos arrastam aos tribunais? Não blasfemam eles o belo nome que trazeis?” (Tg 2,5-7), provando com elas que havia acepção de pessoas naquela comunidade cristã. Examinamos essas perguntas:
“Não são porventura os ricos os que vos oprimem e vos arrastam aos tribunais?” v 6.
“Oprimem” – palavra usada também em At 10,38, para falar dos oprimidos pelo encardido. Se a questão aqui envolve um julgamento legal, a igreja se colocou contra um individuo pobre e não contra todos os pobres.
· Menosprezo e opressão são características dos ricos de fora da Igreja, com raras exceções, que não deveriam acontecer entre os salvos.
É muito provável que alguns judeus ricos estivessem arrastando os cristãos diante dos tribunais, assim como Paulo fazia antes de sua conversão – At 8,1-3 – Paulo teve de suportar as mesmas coisas que impusera sobre os outros – At 16,19-26 – “Os ricos arrastavam os cristãos pobres para os tribunais por dos motivos: Primeiro, quando o pobre necessitava de um empréstimo, o rico dava com juros elevados. E quando surgia disputa na hora do pagamento ou o pobre não tinha como restituir o empréstimo, o rico contratava o melhor advogado e ambos associavam. Resultado: o pobre ficava mais pobre e o rico mais rico. A segunda forma do rico arrastar o pobre para os tribunais era por acusações caluniosas, acusando os cristãos de perturbarem a tranqüilidade e a ordem da comunidade.” (Peter Duck)
“Não blasfemam eles o belo nome que trazeis?” v 7.
“Blasfemar o nome invocado sobre os cristãos” mostra claramente que havia perseguição religiosa contra eles. O termo “trazeis” se refere à ocasião em que o nome de alguém é invocado sobre outra pessoa, passando a primeira a se tornar sua prosperidade. O nome de Jesus havia sido invocado sobre os cristãos e eles se tornaram posse de Deus – “Vós, porém, é uma raça escolhida, um sacerdócio régio, uma nação santa, um povo adquirido para Deus, a fim de que publiqueis as virtudes daquele que das trevas vos chamou à sua luz maravilhosa. Vós que outrora não éreis seu povo, mas agora é povo de Deus; vós que outrora não tínheis alcançado misericórdia (Os 2,25), mas agora alcançastes misericórdia.” (1 Pd 2,9-10).
A Igreja deve tomar muito cuidado para não se assemelhar àqueles que blasfemam o bom nome que sobre ele foi invocado – “Este, então, se irritou contra a Mulher e foi fazer guerra ao resto de sua descendência, aos que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus.” (Ap 12,17).
- PORQUE É INCOMPATIVEL COM A NATUREZA DA IGREJA.
Não é possível hoje pensarmos numa Igreja tão somente para um grupo determinado de pessoas. A Igreja não pode estar aliada a um grupo político ou social, pobres ou ricos, ou a determinado grupo étnico – “Rogo-vos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que todos estejais em pleno acordo e que não haja entre vós divisões. Vivei em boa harmonia, no mesmo espírito e no mesmo sentimento. Pois acerca de vós, irmãos meus, fui informado pelos que são da casa de Cloé, que há contendas entre vós.” (1 Cor 1,10-11). A Igreja tem de estar de portas abertas para todas as camadas sociais. Foi Jesus quer reforçou o ensinamento da lei de que devemos amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmo. Essa lei se baseia no modelo de Cristo, que não fazia diferença entre o rico e o pobre – Ele morreu por todos (Rm 5,5-8). Jesus nos ensinou a amar o próximo. O mandamento especifico citado por Tiago – “Amaras ao próximo como a ti mesmo” é um dos prediletos de Jesus que o citou varias vezes nos evangelhos.
Três princípios básicos devem governar nossos relacionamentos na Igreja – Tg 2:
a) O amor ao próximo deve ser evidenciado em obediência e submissão à Palavra de Deus – v 8.
Em varias passagens do Antigo e do Novo Testamento, somos exortados a amar o Senhor Deus e de todo o nosso coração, de toda a nossa alma, de todo o nosso entendimento e de toda nossa força – “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças.” Dt 6,5 e Mc 12,30 –. Este é o primeiro e o maior mandamento, como ensinou Jesus. O segundo mandamento é o amor pelos nossos semelhantes – “Eis aqui o segundo: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Outro mandamento maior do que estes não existe.” Mc 12,31 e Jo 13,34 –.
b) Violar um mandamento é desobedecer ao próprio Deus e faz com que a pessoa se torne culpada diante dEle – vs 9-11.
“Neste aspecto é interessante observar que, no cristianismo primitivo, o mandamento do amor estava intimamente ligado aos mandamentos do próximo da segunda tábua do decálogo – “Não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não dirás falso testemunho, honra teu pai e tua mãe, amarás teu próximo como a ti mesmo.” Mt 19,18-19 e Rm 13,9 –. Portanto, embora empregue uma lógica extraída do A.T., Tiago a aplica a uma situação nova” (Douglas J. Môo, Tiago – Introdução e Comentário).
c) A justiça e o amor exigem que todas as pessoas sejam tratadas com dignidade – VS 12-13.
Há muitos que pensam que amar é um mero sentimento prazeroso no coração. Isto não é verdade. De acordo com a Palavra de Deus o próximo é a pessoa a quem devemos amar, sem demonstrar nenhuma parcialidade. Todos merecem nosso amor e respeito.
Tiago defende o ensino bíblico de que a pessoa que guarda todas as leis de Deus, mas quebra um único princípio se toma culpada de todos os outros. Para Peter H. Davids, a razão que alicerça este ensino é o truísmo (verdade trivial). Isto não significava que as más conseqüências são sempre as mesmas, não importando que mandamento a pessoa quebra, mas significa que, quando alguém quebra um mandamento, demonstra uma atitude básica contra o Outorgador da lei que caracteriza tal pessoa como transgressor – “Maldito o que não conserva as palavras desta lei e não a cumpre! E todo o povo dirá: Amém!” Dt 27,26.
- CONCLUSAO.
À luz do ensino do Tiago podemos concluir que a acepção de pessoas é um pecado contra o mandamento do amor – “Se cumprirdes a lei régia da Escritura: Amarás o teu próximo como a ti mesmo (Lv 19,18), sem dúvida fazeis bem. Mas se vos deixais levar por distinção de pessoas, cometeis uma falta e sereis condenados pela lei como transgressores.” Tg 2,8-9, e que este mandamento é que deve governar aqueles que professam fé em Jesus Cristo – “Meus irmãos, na vossa fé em nosso glorioso Senhor Jesus Cristo, guardai-vos de toda consideração de pessoas.” Tg 2,1. Tiago dá ênfase a dois verbos “falar’ e “proceder” – Tg 2,12; os verbos estão no tempo presente, enfatizando que a maneira de “falar” e “proceder” deve ser a nossa conduta de vida. Aquele que não usou de misericórdia não pode esperar receber um julgamento misericordioso. Isso vem como uma advertência para todos os cristãos – “Haverá juízo sem misericórdia para aquele que não usou de misericórdia. A misericórdia triunfa sobre o julgamento.” Tg 2,13. Jesus ensinou: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia!”– Mt 5,7.
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