“Toda dádiva boa e todo dom perfeito vêm de cima: descem do Pai das luzes, no qual não há mudança, nem mesmo aparência de instabilidade.”
- INTRODUÇAO.
Lembro perfeitamente da segunda vez em que entrei num avião. Era um dia cinzento, de céu nublado e com uma leve garoa que nem um pouco me encorajava. Eu estava sendo deportado do Canadá, algemado, tentei demonstrar tranqüilidade. Quando o aparelho o aparelho começou a deslocar-se na pista, apertei discretamente os dedos das mãos e, como que numa atitude fatalista, entreguei-me a sorte. Em poucos segundos a pista distanciando-se dos meus olhos e rapidamente, o avião alcançou a altura das nuvens, as quais foram tornando cada vez menor a minha visibilidade da janela. A expectativa e a incerteza do que aconteceria, após aqueles momentos enevoados, eram grandes. Até que minha frieza exterior foi abruptamente assaltada por uma visão jamais esquecida. O avião ao atravessar a densa barreira de vapor levou-me a contemplar o céu tão azul e um sol tão brilhante que eu mesmo não saberia afirmar se já tinha visto algo assim. Foram instantes de contemplação, mas também de muita reflexão, pois aquela nova experiência ensinou-me a reconhecer que, a pesar do dia cinzento e chuvoso lá em baixo, o sol sempre esteve no mesmo lugar brilhando tão intensamente como sempre brilhou! Com certeza já enfrentamos ou estamos enfrentando dias cinzentos da vida; atribulados ou enevoados pelas dificuldades, ansiedades, temores ou tristeza da vida – como eu, naquele dia, sendo deportado e o meu sonho sendo destruído como um castelo de areia sendo derrubado. A lição é a mesma: apesar das circunstancias adversas que enfrentamos na vida, não devemos perder a confiança, pois Deus é o mesmo, eternamente bom e imutável!
Antes de prosseguir é muito importante que lembremos que esta epistola foi dirigida a um grupo de cristãos dispersos, os quais estavam sujeitos a todo tipo de dificuldades. No inicio da epistola, Tiago aborda os conceitos de provação e tentação. A provação pode ser vista como de natureza externa, e serve de instrumento de Deus para aprovar e aperfeiçoar aquele que nela persevera – Tg 1,2-8 – Já a tentação pode ser vista como de natureza interna, e serve de instrumento da própria cobiça humana para reprovar e destruir quem ela concede – Tg 1,12-15 – Tiago estava preocupado que um mau entendimento destes conceitos poderia gerar um mau entendimento do caráter de Deus por parte dos seus leitores. Por isso, ordena – “Não vos iludais” ou “Não vos enganais” diante das circunstancias – Tg 1,16 – Visando a instrução ou mesmo uma possível correção, o autor faz duas declarações a respeito de uma visão correta do caráter e da pessoa de Deus que o cristão deve manter, mesmo em circunstancias adversas.
- DESU É BOM – Tg 1,17.
A primeira declaração a respeito de uma visão correta de Deus diante das adversidades é que Deus diante das adversidades é que “Deus é bom”. Afirma Tiago – “Toda dádiva boa e todo dom perfeito vêm de cima: descem do Pai das luzes.” - Tg 1,17 – Em outras palavras, tudo quilo que é bom procede de Deus, o qual é bom. Embora parecesse estranho ouvir sobre a bondade de Deus diante de situações ruins da vida, os cristãos dispersos do primeiro século precisavam aprender a não confundir o caráter de Deus com as circunstancias adversas da vida.
- A manifestação da bondade de Deus evidencia-se em Seus presentes.
Deus manifesta sua bondade através das suas dádivas ou dons. Estas duas palavras têm significado parecidos; “dádiva” pode significar presente, galardão ou mesmo dom; e “dom” também pode significar presente – “Nem aconteceu com o dom o mesmo que com as conseqüências do pecado de um só: a falta de um só teve por conseqüência um veredicto de condenação, ao passo que, depois de muitas ofensas, o dom da graça atrai um juízo de justificação.” – Rm 5,16 – Este não é o contexto para a palavra dom (carisma) espiritual, mas de um presente que manifesta a benevolência de Deus. O bom Deus derrama sua graça e misericórdia nos homens, dando o sol e a chuva – “Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos.” – Mt 5,45 – as estações frutíferas – “Contudo, nunca deixou de dar testemunho de si mesmo, por seus benefícios: dando-vos do céu as chuvas e os tempos férteis, concedendo abundante alimento e enchendo os vossos corações de alegria.” – At 14,17 - a vida e a respiração – “Nem é servido por mãos de homens, como se necessitasse de alguma coisa, porque é ele quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas.” – At 17,25 – por exemplo.
- A manifestação da bondade de Deus revela Sua perfeição.
As palavras “dádiva” e “dom” são qualificadas pelos objetivos: “boa” e “perfeito”. O autor não está fazendo uma distinção entre os termos, mas usando um estilo literário para pensar numa mesma coisa. Quando coloca os dois adjetivos lado a lado está se referindo a algo de valor incomparável. Suas dádivas revelam o caráter benevolente do próprio Deus perfeito. O termo “perfeito” é o mesmo que descreve Deus em Mt 4,58 – “Portanto, sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito.”
- A manifestação da bondade de Deus expressa Sua pessoa.
A origem desta dádiva e dons é o próprio Deus, pois “são lá do alto”. Somente pode ser divina. O que se origina no coração humano não é o bom – “Cada um é tentado pela sua própria concupiscência, que o atrai e alicia.” – Tg 1,14, mas o que é unicamente bom e perfeito procede de Deus – “descendo do pai das luzes”. Mas à frente, Tiago cria um contraste a sabedoria que procede de Deus e a sabedoria humana: “A sabedoria, porém, que vem de cima, é primeiramente pura, depois pacífica, condescendente, conciliadora, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade, nem fingimento.” – Tg 3,17 – enquanto que a humana “é uma sabedoria terrena, animal, diabólica”. – Tg 3,15 – Assim a bondade de Deus expressa a Sua Pessoa. A expressão “Pai das luzes” sugere tanto a figura paternal de Deus benevolente – “A religião pura e sem mácula aos olhos de Deus e nosso Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições, e conservar-se puro da corrupção deste mundo. – Tg 1,27 e “Com ela bendizemos o Senhor, nosso Pai, e com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus.” - Tg 3,9 – quanto a do Criador benevolente, uma vez que o termo “luzes”, freqüentemente, faz alusão aos astros e corpos celestes (sol, lua, estrelas).
Estas considerações a respeito da bondade de Deus revelam que, apesar das circunstancias adversas da vida ou mesmo da permissão do mal na vida do crente (exemplo da história de Jó), Deus não é injusto, cruel ou sádico. Ele não tenta seus próprios filhos, pelo contrario é bom e benevolente, e aperfeiçoa a quem ama.
- DEUS É IMUTÁVEL – Tg 1,17.
Uma segunda declaração a respeito de uma visão correta de Deus diante das adversidades é que “Deus é imutável”. Escreveu Tiago a respeito de Deus – “... no qual não há mudança, nem mesmo aparência de instabilidade.” – Tg 1,17 – O autor não apenas utiliza o tema bondade de Deus, claramente apresentada em outras partes da Escritura, como faz dela uma preparação de outros atributos e ações divinas apresentadas ao longo da Epistola.
- A bondade divina e a imutabilidade de Deus.
A idéia da imutabilidade de Deus está arraigada à idéia da Sua bondade. Isso implica a certeza de que a bondade do Deus imutável nunca sofre alteração ou mudança. Com respeito a pessoa de Deus, a Nova Versão Internacional traduz – “... que não muda como sombras inconstantes”. A palavra grega traduzida como “sombra” pode implicar o ato de fazer sombra ou de refletir uma determinada imagem. Tiago escolheu esta palavra para afirmar que Deus é como uma luz que não pode ser colocada na sombra ou extinta.
- Atributos divinos e a imutabilidade de Deus.
O conceito desta imutabilidade prepara e se aplica à descrição de Deus que Tiago apresenta na sua epistola.
Doador da sabedoria – Tg 1,5;
Fiel as suas promessas – Tg 1,12; 2,5;
Recompensador – Tg 1,12;
Justo – Tg 1,20, 2,23;
Único – Tg 2,19;
Criador do homem – Tg 3,9;
Gracioso – Tg 4,6;
Legislador e Juiz – Tg 4,1 2;
Soberano – Tg 4,15;
Misericordioso e Compassivo – Tg 5,11;
Restaurador da vida – Tg 5,15.
- As escrituras e a imutabilidade de Deus.
Quanto a esta imutabilidade de Deus, a epístola de Tiago encontra bases na própria Palavra de Deus. Muito embora as expressões – “O Senhor arrependeu-se...” Gn 6,6 – “Deus se arrependerá...” ou “Deus se arrependeu...” – Jn 3,10 – parece implicar uma mutabilidade de Deus, apenas representam, através da força de uma linguagem carregada do sentimentalismo pela narrativa bíblica, uma de duas reações divinas conseqüentes à ação humana naquele contexto – benção aos tementes e obedientes; juízo aos incrédulos e desobedientes. A doutrina da imutabilidade de Deus é encontrada em textos muito claros das Escrituras.
- “Deus não é homem para mentir, nem alguém para se arrepender. Alguma vez prometeu sem cumprir? Por acaso falou e não executou?” – Nu 23,19;
- “Mas tu és o mesmo,...” Sl 102,27;
- “Porque eu sou o Senhor e não mudo...” Ml 3,6;
Assim, Tiago conduz aqueles cristãos dispersos a não terem quaisquer razões para questionar ou duvidar da pessoa e do caráter de Deus. As duras provas da vida não podem afetar ou comprometer a pessoa ou as ações de Deus.
- CONCLUSAO.
A grande demonstração da bondade imutável de Deus para conosco apresentada por Tiago está no último versículo deste parágrafo – “Por sua vontade é que nos gerou pela palavra da verdade, a fim de que sejamos como que as primícias das suas criaturas.” – Tg 1,18 – A bondade de Deus nos alcançou com a salvação
Nenhum comentário:
Postar um comentário