Não há a menor dúvida de que as narrativas da Bíblia despertam o interesse de milhões de pessoas. Primeiro por ser parte de uma tradição que influenciou diretamente três religiões: a judaica, a cristã e a islâmica. Segundo, por fazer referência aos povos da Antiguidade, cujo legado chegou até nós e moldou a nossa cultura ocidental. Por outro lado fica a dúvida para alguns, de como interpretar tais eventos: aos olhos da fé ou da razão?
O estudo das religiões e dos mitos requer a perspectiva da compreensão de seus significados para as várias sociedades e civilizações. Para a estudiosa da História das Religiões, Karen Armstrong, os mitos se sobressaem nos momentos de profunda angústia do homem em relação aos problemas concretos da sua existência, os quais muitas vezes não podem ser solucionados de forma puramente racional. O mito busca, por meio das situações passadas, servir de modelo para que as comunidades e sociedades possam transpor determinadas etapas, sendo relembrados por meio de cerimônias ou ritos de passagem, os quais cumprem a tarefa de preparar os indivíduos para situações reais, como por exemplo, a possibilidade de uma guerra, os períodos de fome e o enfrentamento da morte. Da mesma forma que a ciência e a tecnologia, os mitos não estão desconectados do mundo real, pelo contrário, auxiliam o homem a viver de forma plena dentro do mesmo. Nesse sentido, os mitos não necessitam ser interpretados de forma literal ou vistos apenas pelo ponto de vista de serem verdadeiros ou não.
Por sua vez, para o historiador, os textos bíblicos constituem também uma importante fonte para o conhecimento histórico e como tal devem ser interrogados, analisados e confrontados com outras informações. O que mais se têm tentado fazer, por influência do cientificismo do século XIX, é a busca de vestígios arqueológicos, que pudessem amparar os fatos citados na Bíblia. Por outro lado, o estudo apurado dos textos bíblicos feito por eruditos, linguistas e especialistas em História das Religiões pode também trazer informações substanciais, inclusive sobre a influência das demais correntes religiosas da Antiguidade na formação da tradição monoteísta dos hebreus. Evidentemente, a fé em Deus é algo que cabe à individualidade de cada um, até mesmo do historiador. A analise dos fatos históricos, por sua vez, está inserida nos parâmetros metodológicos estabelecidos pela historiografia e do estudo das fontes.
Por falar em fontes, aí está o grande problema com relação aos eventos bíblicos, pois, quanto mais retroagimos no tempo, mais nos defrontamos com a escassez das mesmas, sobretudo as escritas. Em muitas situações, dispomos apenas da própria Bíblia. É o caso dos tempos em que ocorreu a presença dos hebreus no Egito, do Êxodo e da figura de Moisés (na imagem acima, estatua representando o personagem bíblico, esculpida por Miguel Ângelo e concluída em 1515).
As narrativas bíblicas apontam que, por volta do ano 1.600 a.C., os hebreus deixaram a antiga Canaã (parte da atual Israel, como mostra o mapa acima) e foram viver em terras egípcias. Os hebreus? É complicado afirmar que nessa época os hebreus constituíssem uma coletividade homogênea e que já estivessem seguindo o deus único, Iavé ou Jeová. Muito provavelmente tratava-se de um conjunto de tribos, talvez as 12 tribos citadas no Antigo Testamento (primeira parte da Bíblia). As terras de Canaã comportavam também outras populações de origem semita, que não eram necessariamente parte das famílias hebraicas, mas que conviviam no mesmo território, conhecidas de forma geral como cananeus. Possivelmente, algumas delas também tenham se deslocado para o reino dos faraós.
As condições naturais do Egito, com as cheias do rio Nilo, proporcionavam uma agricultura desenvolvida para a época. A construção dos canais de irrigação aprimorou essa atividade e, com certeza, pode ter atraído outras populações para aquele reino, em busca de alimentos. De acordo com o Antigo Testamento, os hebreus teriam permanecido lá por quase 400 anos e com o tempo acabaram sendo escravizados. A situação teria atingido o seu pior momento nos reinados dos faraós Seth I e de seu filho, Ramsés II, no século XIII a. C.. Com relação a este último monarca, relacionado por muitos estudiosos com a época do Êxodo, existem fontes materiais e documentais, inclusive a sua própria múmia (na imagem acima, a múmia de Ramsés II, no Museu do Cairo). Nenhuma dessas fontes, porém, relaciona esse faraó com os hebreus. Aliás, a própria Bíblia não cita o nome desse faraó.
Alguns historiadores, inclusive, consideram que o Êxodo poderia ter ocorrido no reinado de algum outro rei egípcio, como Tutmés III, que reinou antes de Ramsés e promoveu a expansão do Egito em direção ao Oriente Médio. Como um evento da dimensão do Êxodo, que teria envolvido centenas de milhares de indivíduos, passou despercebido no próprio Egito, não sendo mencionado pelos escribas dos faraós? Exatamente isto é o que intriga os estudiosos e historiadores. O texto bíblico começou a adquirir forma escrita aproximadamente 700 anos após o evento ter ocorrido (na foto acima, o mais antigo fragmento de texto bíblico conhecido, escrito em folha de prata, referente ao Livro dos Números, datado do século VII a. C.). Como observamos anteriormente, isso não significa desprezar por completo as narrativas bíblicas, mas talvez coloca-las em sua devida dimensão e de acordo com o contexto histórico daquele momento.
As informações sobre a origem do povo hebreu também são imprecisas. Aliás, a referência mais antiga a respeito dos israelitas é uma inscrição encontrada no próprio Egito, datada do reinado do faraó Merneptah, que governou entre 1.224 e 1.214 a. C. e que foi sucessor de Ramsés II. Uma estela de pedra refere-se às campanhas militares desse rei egípcio em Canaã (atual Israel), onde viviam os israelitas, mencionados na segunda linha da inscrição, contada de baixo para cima (na imagem acima, a estela de Merneptah). Tal referência colocava os hebreus dentro de um conjunto de tribos de pastores espalhadas pelas montanhas de Canaã.
Mas, voltemos ao Êxodo. Os hebreus que viviam no Egito poderiam ter feito parte de um grupo ou estamento social inferior, conhecido pelo nome de Habiru ou Apiru. Do primeiro termo, talvez tenha surgido a palavra hebreu. Nessa condição, teriam sido obrigados a participar da construção do templo de Seth I (na imagem acima, a múmia de Seth I, pai de Ramsés II) e na nova cidade de seu sucessor, Ramsés II, o qual reinou entre 1.290 e 1.224 a.C.. Estes dois reis fizeram parte da XIX Dinastia de faraós que governaram o Antigo Egito. Nessa época, teria vivido Moisés. Quando de seu nascimento, o faraó teria decretado que todos os bebês hebreus recém nascidos deveriam ser afogados no rio Nilo. Contudo, Moisés teria sido recolhido das águas e salvo pela própria filha do faraó, crescendo na condição de príncipe da corte egípcia. O próprio nome Moisés, que significa "tirado das águas" é egípcio, lembrando o nome dos reis locais, como o próprio Ramsés. Adulto, Moisés liderou a luta para que seu povo pudesse sair da escravidão e retornar à terra de origem.
De fato, Seth e Ramsés II foram grandes construtores (na imagem acima, detalhe dos colossos de Abu Simbel com 20 metros de altura, representando o faraó Ramsés II). Contudo, muitos egiptólogos (estudiosos do Antigo Egito) atribuem também a Ramsés o fato de ter usurpado as obras de reis anteriores, mandando raspar o nome dos mesmos. De qualquer forma, isso não tirou-lhe a fama de construtor de cidades e templos.
Para pressionar o faraó, Moisés e Aarão, seu irmão, lançaram as pragas sobre o Egito, a fim de demonstrar os poderes do Deus hebreu. Novamente aqui a dúvida dos historiadores. Os papiros e inscrições não mencionam essa série de pragas, embora a possibilidade de que tais acontecimentos pudessem ocorrer no Egito, fosse verificada. Na descrição das pragas, o texto bíblico remete à alguns aspectos da ecologia do Egito Antigo, como por exemplo, os reveses que poderiam acompanhar as enchentes do rio Nilo, o excesso de lodo trazido pelas águas e os pequenos animais fugindo das inundações, como escorpiões, cobras e rãs, os quais tentavam alcançar os terrenos mais altos (na foto acima, a técnica de construção dos canais de irrigação, usada no Egito até hoje). Essas enchentes, fora dos padrões habituais, poderiam influenciar as colheitas, em função da demora para as águas baixarem e ter início a semeadura. Uma colheita ruim poderia, inclusive, prejudicar a imagem do faraó perante os seus súditos. De acordo com os textos bíblicos, a última dessas pragas atingiu o primogênito de Ramsés II, fazendo com que ele atendesse aos pedidos de Moisés. Os cálculos complexos, realizados por especialistas, apontam o ano de 1.250 a.C., como tendo sido a época do Êxodo, que coincide com o reinado desse conhecido faraó, o qual governou por mais de 60 anos.
Após o rei do Egito permitir que os hebreus retornassem a Canaã, Moisés acabou ele mesmo conduzindo a retirada de seu povo, levando-o até uma massa de água conhecida como "Mar dos Juncos", que muitos identificaram como sendo o Mar Vermelho. O mar se abriu e os hebreus o transpuseram. Posteriormente, Moisés conduziu os israelitas até as encostas do monte Sinai, na península do mesmo nome, que separa a África do Oriente Médio, onde recebeu as leis divinas ou "Tábuas da Lei", contendo os 10 Mandamentos. Os hebreus estabeleceram, nesse momento, a aliança com Deus ou Iavé e empreenderam, durante 40 anos, o retorno para Canaã.
Do ponto de vista histórico, muitas dúvidas podem ser lançadas sobre os relatos do Êxodo. A primeira diz respeito aos hebreus terem sido escravizados. A escravidão no Antigo Egito era uma forma de trabalho suplementar, uma vez que grande parte das obras eram realizadas pela própria população camponesa, que prestava serviços ao Estado. O escravismo antigo só se desenvolveu de forma plena na Grécia e no Império Romano. Outro aspecto diz respeito à logística exigida para um deslocamento populacional no deserto, envolvendo centenas de milhares de pessoas, algo impensável naquela época. O Mar Vermelho pode não ser o local da travessia, que poderia ter sido feita pelo istmo do Sinai (onde hoje está o canal de Suez), na época o "mar dos juncos". Do ponto de vista religioso, a unidade dos hebreus em torno de seu único Deus somente seria alcançada séculos depois, nos tempos dos reis David e Salomão.
A unidade política do tempo da monarquia é a que apresenta mais evidências arqueológicas, que podem permitir aos estudiosos analisar os fatos, além daquilo que é descrito no Antigo Testamento (na foto acima, uma inscrição em aramaico, do século IX a.C., que contém a mais antiga referência à dinastia do rei David).
Por outro lado, a época do Êxodo foi uma fase de grandes deslocamentos populacionais no Oriente Médio. O conflito dos egípcios com os hititas (que viviam na Ásia Menor, onde hoje é a Turquia), a chegada dos "povos do mar" (procedentes de algum ponto do Mediterrâneo), que ameaçaram o Egito após o reinado de Ramsés II. Os invasores filisteus, que se estabeleceram na Palestina e se tornaram vizinhos dos hebreus e dos cananeus (daí vem a origem do nome Palestina, "terra dos filisteus"), trouxeram dificuldades para o estabelecimento de uma unidade política entre as tribos hebraicas. Isso sem contar a ascensão dos assírios, no norte da Mesopotâmia, que viriam a dominar o Oriente Médio.
Enfim, a perspectiva de que sejam encontradas evidências materiais e documentais para o Êxodo, fora dos textos bíblicos, são muito remotas. Por sua vez, os textos bíblicos também lançam luzes sobre as origens da primeira religião monoteísta da Antiguidade. A pureza nas crenças religiosas era algo muito distante da realidade dos hebreus, no século XIII a. C.. O nome Israel, por exemplo, pode ser uma referência à antiga divindade "El", adorada pelos cananeus. Nesse sentido, o Êxodo têm um significado como marco fundador para os antigos israelitas e na sua luta para se estabelecer na Palestina, que envolveu também o enfrentamento de Iavé com outras divindades locais, como "Baal" e "Asherá".
Se, na condição de historiadores, fizermos a leitura literal do texto bíblico, muitas dúvidas ficarão sem resposta. Por sua vez, lembramos novamente que os mitos têm relação íntima com as dificuldades enfrentadas pelos indivíduos, para buscarem a sua afirmação enquanto povo ou nação. No caso dos hebreus, isso não foi diferente......
As narrativas bíblicas apontam que, por volta do ano 1.600 a.C., os hebreus deixaram a antiga Canaã (parte da atual Israel, como mostra o mapa acima) e foram viver em terras egípcias. Os hebreus? É complicado afirmar que nessa época os hebreus constituíssem uma coletividade homogênea e que já estivessem seguindo o deus único, Iavé ou Jeová. Muito provavelmente tratava-se de um conjunto de tribos, talvez as 12 tribos citadas no Antigo Testamento (primeira parte da Bíblia). As terras de Canaã comportavam também outras populações de origem semita, que não eram necessariamente parte das famílias hebraicas, mas que conviviam no mesmo território, conhecidas de forma geral como cananeus. Possivelmente, algumas delas também tenham se deslocado para o reino dos faraós.
As condições naturais do Egito, com as cheias do rio Nilo, proporcionavam uma agricultura desenvolvida para a época. A construção dos canais de irrigação aprimorou essa atividade e, com certeza, pode ter atraído outras populações para aquele reino, em busca de alimentos. De acordo com o Antigo Testamento, os hebreus teriam permanecido lá por quase 400 anos e com o tempo acabaram sendo escravizados. A situação teria atingido o seu pior momento nos reinados dos faraós Seth I e de seu filho, Ramsés II, no século XIII a. C.. Com relação a este último monarca, relacionado por muitos estudiosos com a época do Êxodo, existem fontes materiais e documentais, inclusive a sua própria múmia (na imagem acima, a múmia de Ramsés II, no Museu do Cairo). Nenhuma dessas fontes, porém, relaciona esse faraó com os hebreus. Aliás, a própria Bíblia não cita o nome desse faraó.
Alguns historiadores, inclusive, consideram que o Êxodo poderia ter ocorrido no reinado de algum outro rei egípcio, como Tutmés III, que reinou antes de Ramsés e promoveu a expansão do Egito em direção ao Oriente Médio. Como um evento da dimensão do Êxodo, que teria envolvido centenas de milhares de indivíduos, passou despercebido no próprio Egito, não sendo mencionado pelos escribas dos faraós? Exatamente isto é o que intriga os estudiosos e historiadores. O texto bíblico começou a adquirir forma escrita aproximadamente 700 anos após o evento ter ocorrido (na foto acima, o mais antigo fragmento de texto bíblico conhecido, escrito em folha de prata, referente ao Livro dos Números, datado do século VII a. C.). Como observamos anteriormente, isso não significa desprezar por completo as narrativas bíblicas, mas talvez coloca-las em sua devida dimensão e de acordo com o contexto histórico daquele momento.
As informações sobre a origem do povo hebreu também são imprecisas. Aliás, a referência mais antiga a respeito dos israelitas é uma inscrição encontrada no próprio Egito, datada do reinado do faraó Merneptah, que governou entre 1.224 e 1.214 a. C. e que foi sucessor de Ramsés II. Uma estela de pedra refere-se às campanhas militares desse rei egípcio em Canaã (atual Israel), onde viviam os israelitas, mencionados na segunda linha da inscrição, contada de baixo para cima (na imagem acima, a estela de Merneptah). Tal referência colocava os hebreus dentro de um conjunto de tribos de pastores espalhadas pelas montanhas de Canaã.
Mas, voltemos ao Êxodo. Os hebreus que viviam no Egito poderiam ter feito parte de um grupo ou estamento social inferior, conhecido pelo nome de Habiru ou Apiru. Do primeiro termo, talvez tenha surgido a palavra hebreu. Nessa condição, teriam sido obrigados a participar da construção do templo de Seth I (na imagem acima, a múmia de Seth I, pai de Ramsés II) e na nova cidade de seu sucessor, Ramsés II, o qual reinou entre 1.290 e 1.224 a.C.. Estes dois reis fizeram parte da XIX Dinastia de faraós que governaram o Antigo Egito. Nessa época, teria vivido Moisés. Quando de seu nascimento, o faraó teria decretado que todos os bebês hebreus recém nascidos deveriam ser afogados no rio Nilo. Contudo, Moisés teria sido recolhido das águas e salvo pela própria filha do faraó, crescendo na condição de príncipe da corte egípcia. O próprio nome Moisés, que significa "tirado das águas" é egípcio, lembrando o nome dos reis locais, como o próprio Ramsés. Adulto, Moisés liderou a luta para que seu povo pudesse sair da escravidão e retornar à terra de origem.
De fato, Seth e Ramsés II foram grandes construtores (na imagem acima, detalhe dos colossos de Abu Simbel com 20 metros de altura, representando o faraó Ramsés II). Contudo, muitos egiptólogos (estudiosos do Antigo Egito) atribuem também a Ramsés o fato de ter usurpado as obras de reis anteriores, mandando raspar o nome dos mesmos. De qualquer forma, isso não tirou-lhe a fama de construtor de cidades e templos.
Para pressionar o faraó, Moisés e Aarão, seu irmão, lançaram as pragas sobre o Egito, a fim de demonstrar os poderes do Deus hebreu. Novamente aqui a dúvida dos historiadores. Os papiros e inscrições não mencionam essa série de pragas, embora a possibilidade de que tais acontecimentos pudessem ocorrer no Egito, fosse verificada. Na descrição das pragas, o texto bíblico remete à alguns aspectos da ecologia do Egito Antigo, como por exemplo, os reveses que poderiam acompanhar as enchentes do rio Nilo, o excesso de lodo trazido pelas águas e os pequenos animais fugindo das inundações, como escorpiões, cobras e rãs, os quais tentavam alcançar os terrenos mais altos (na foto acima, a técnica de construção dos canais de irrigação, usada no Egito até hoje). Essas enchentes, fora dos padrões habituais, poderiam influenciar as colheitas, em função da demora para as águas baixarem e ter início a semeadura. Uma colheita ruim poderia, inclusive, prejudicar a imagem do faraó perante os seus súditos. De acordo com os textos bíblicos, a última dessas pragas atingiu o primogênito de Ramsés II, fazendo com que ele atendesse aos pedidos de Moisés. Os cálculos complexos, realizados por especialistas, apontam o ano de 1.250 a.C., como tendo sido a época do Êxodo, que coincide com o reinado desse conhecido faraó, o qual governou por mais de 60 anos.
Após o rei do Egito permitir que os hebreus retornassem a Canaã, Moisés acabou ele mesmo conduzindo a retirada de seu povo, levando-o até uma massa de água conhecida como "Mar dos Juncos", que muitos identificaram como sendo o Mar Vermelho. O mar se abriu e os hebreus o transpuseram. Posteriormente, Moisés conduziu os israelitas até as encostas do monte Sinai, na península do mesmo nome, que separa a África do Oriente Médio, onde recebeu as leis divinas ou "Tábuas da Lei", contendo os 10 Mandamentos. Os hebreus estabeleceram, nesse momento, a aliança com Deus ou Iavé e empreenderam, durante 40 anos, o retorno para Canaã.
Do ponto de vista histórico, muitas dúvidas podem ser lançadas sobre os relatos do Êxodo. A primeira diz respeito aos hebreus terem sido escravizados. A escravidão no Antigo Egito era uma forma de trabalho suplementar, uma vez que grande parte das obras eram realizadas pela própria população camponesa, que prestava serviços ao Estado. O escravismo antigo só se desenvolveu de forma plena na Grécia e no Império Romano. Outro aspecto diz respeito à logística exigida para um deslocamento populacional no deserto, envolvendo centenas de milhares de pessoas, algo impensável naquela época. O Mar Vermelho pode não ser o local da travessia, que poderia ter sido feita pelo istmo do Sinai (onde hoje está o canal de Suez), na época o "mar dos juncos". Do ponto de vista religioso, a unidade dos hebreus em torno de seu único Deus somente seria alcançada séculos depois, nos tempos dos reis David e Salomão.
A unidade política do tempo da monarquia é a que apresenta mais evidências arqueológicas, que podem permitir aos estudiosos analisar os fatos, além daquilo que é descrito no Antigo Testamento (na foto acima, uma inscrição em aramaico, do século IX a.C., que contém a mais antiga referência à dinastia do rei David).
Por outro lado, a época do Êxodo foi uma fase de grandes deslocamentos populacionais no Oriente Médio. O conflito dos egípcios com os hititas (que viviam na Ásia Menor, onde hoje é a Turquia), a chegada dos "povos do mar" (procedentes de algum ponto do Mediterrâneo), que ameaçaram o Egito após o reinado de Ramsés II. Os invasores filisteus, que se estabeleceram na Palestina e se tornaram vizinhos dos hebreus e dos cananeus (daí vem a origem do nome Palestina, "terra dos filisteus"), trouxeram dificuldades para o estabelecimento de uma unidade política entre as tribos hebraicas. Isso sem contar a ascensão dos assírios, no norte da Mesopotâmia, que viriam a dominar o Oriente Médio.
Enfim, a perspectiva de que sejam encontradas evidências materiais e documentais para o Êxodo, fora dos textos bíblicos, são muito remotas. Por sua vez, os textos bíblicos também lançam luzes sobre as origens da primeira religião monoteísta da Antiguidade. A pureza nas crenças religiosas era algo muito distante da realidade dos hebreus, no século XIII a. C.. O nome Israel, por exemplo, pode ser uma referência à antiga divindade "El", adorada pelos cananeus. Nesse sentido, o Êxodo têm um significado como marco fundador para os antigos israelitas e na sua luta para se estabelecer na Palestina, que envolveu também o enfrentamento de Iavé com outras divindades locais, como "Baal" e "Asherá".
Se, na condição de historiadores, fizermos a leitura literal do texto bíblico, muitas dúvidas ficarão sem resposta. Por sua vez, lembramos novamente que os mitos têm relação íntima com as dificuldades enfrentadas pelos indivíduos, para buscarem a sua afirmação enquanto povo ou nação. No caso dos hebreus, isso não foi diferente......
Para saber mais:
Raymond P. Scheindlin. História Ilustrada do Povo Judeu. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
Crédito das Imagens:
Estátua de Moisés: Miguel Ângelo. Editora Taschen, 1998, pag. 51.
Mapa do Oriente Médio Antigo. Raymond P. Scheindlin. História Ilustrada do Povo Judeu. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, pag. 27.
Mumia de Ramsés II. Egito: Terra dos Faraós. Coleção Civilizações Perdidas. Rio de Janeiro: Abril Coleções, 1998, pag. 8.
Fragmento de texto bíblico e estela de Mineptah: John Romer. Testamento: os textos sagrados através da história. São Paulo: Editora Melhoramentos, 1991, pags. 89 e 41.
Múmia de Seth I e colossos de Ramsés II: O Mundo Egípcio (volume 2), Coleção Grandes Impérios e Civilizações. Edições del Prado. 1996, pag. 220 e capa.
Canal de irrigação moderno. O Antigo Egito. Biblioteca de História Universal Life. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1969, pag. 46.
Inscrição contendo referência à dinastia do rei David: Tesouros da Terra Santa: do rei David ao cristianismo. Catálogo da Exposição do MASP em São Paulo, 2012, pag. 22.
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