Sola Fide, Sola Scriptura, Sola Gratia e Solo Cristo. Este foi o
grande slogan da reforma protestante levado a cabo pelo ex-monge agostiniano
Martinho Lutero no século XVI. Cada um destes princípios serviram como um cânon
pelos quais os reformadores submeteram e avaliaram as doutrinas da Igreja
Católica Romana. Roma sempre havia ensinado que a salvação vinha pela graça e
fé em Cristo e que a Bíblia era a palavra de Deus, mas nunca os havia
antecedido pelo termo “somente”. Junto com a graça a contra-reforma católica
adicionou os sacramentos, fé mais obras, Bíblia mais tradição, Cristo mais
Maria. De modo que ao estourar o conflito teológico com as exposições dos
reformadores de que a doutrina da igreja deveria se basear somente na Bíblia,
pareceu então uma ameaça à teologia papal.
Martinho Lutero,
especializando-se nas epístolas aos Romanos, Gálatas e Hebreus, foi capaz de
perceber claramente os erros da Igreja Católica Romana. Ao ver que os papas e
os concílios podiam errar, passou a reconhecer a supremacia das Escrituras.
Dizia Lutero: “Não me retrato de coisa alguma a não ser que me convençam pelas
Escrituras ou por meio de argumentos irrefutáveis”. Contudo, Lutero e os
Reformadores não queriam dizer com Sola Scriptura que a Bíblia é a única
autoridade para a igreja. Pelo contrário, queriam dizer que a Bíblia é a única
autoridade infalível dentro da igreja. Para Calvino os escritos dos apóstolos
eram pro dei oraculis habenda sunt (foram oráculos que foram recebidos de
Deus), logo devemos aceitar quid quid in sacris scripturis traditum est sine
exceptione (tudo quanto foi entregue nas escrituras, sem exceção). Entrementes,
a posição oficial do catolicismo em relação à Bíblia é que a Bíblia não pode
falar por si mesma a não ser que seja interpretada pela igreja católica,
levando em conta a tradição viva da Igreja. Em outras palavras, a Bíblia não
possui nenhuma autoridade inerente, mas como toda verdade espiritual, deriva
sua autoridade da Igreja; o que a igreja diz é julgado como a verdadeira
Palavra de Deus. Quando um fiel se defronta com um conflito entre a Bíblia e a
autoridade da Igreja em algum ponto doutrinário, como por exemplo: purgatório,
imagens, santos ou indulgências ele imediatamente abandona a voz da palavra de
Deus e apega-se a voz da sua igreja, pois, como ele sempre foi ensinado, esta é
a única interprete infalível da Bíblia, tendo a tradição como ferramenta
exegética. Como costumam dizer: “A igreja deu origem a Bíblia e dela deriva sua
autoridade” por isso a Bíblia está aberta a tradição, no entanto, aquela nunca
deve julgar esta. Então se se aceita a voz da Igreja como infalível em matéria
de fé e doutrina, o que Bíblia vem a dizer sobre estas coisas é no final das
contas irrelevante!
Assim, não é difícil entender
por que recentemente os apologistas católicos vêem atacando a doutrina da “Sola
Scriptura” com tanta ênfase. A razão é obvia, se eles puderem derrubar por
terra esta doutrina, os outros pontos da reforma caem juntamente. Eles então
montaram um ataque focalizado cuidadosamente contra Sola Scriptura esperando assim,
contrariar a força maior da Reforma. Começaram a afirmar que é possível
desacreditar esta doutrina usando a própria Bíblia. Esta linha de argumento
está sendo empregada agora por vários católicos em praticamente quase todo
fórum de debate. Eis alguns argumentos usados por apologistas católicos
enviados aos evangélicos:
“O ensino protestante de que a
Bíblia é a autoridade espiritual exclusiva “Sola Scriptura”, em nenhuma parte é
encontrado na Bíblia. Paulo escreveu a Timóteo que Bíblia é “útil”, mas nem ele
ou qualquer um na igreja primitiva ensinou isto. Na realidade, ninguém
acreditou nisto até a Reforma.”
“A Bíblia não ensina em nenhuma
parte que é a autoridade exclusiva em assuntos de convicção. Na realidade, a
Bíblia ensina que a Tradição – os ensinos orais dados por Jesus aos apóstolos e
os sucessores deles, os bispos- é uma fonte paralela de convicção autêntica 2
Tessalonicenses 2,15 – “15 Assim, pois,
irmãos, estai firmes e conservai as tradições que vos foram ensinadas, seja por
palavra, seja por epístola nossa.” - e 1 coríntios 11,2 – “Ora, eu vos louvo, porque em tudo vos
lembrais de mim, e guardais os preceitos assim como vo-los entreguei.”
Como o leitor pode perceber, o
problema central não está em o católico negar ou não a autoridade da palavra de
Deus, mas em acrescentar-lhe algo a mais, que neste caso é a chamada tradição
oral da Igreja. Certamente a advertência seguinte contra este tipo de
raciocínio não se limita apenas ao livro do Apocalipse mas se estende à toda a
escritura, “Eu testifico a todo aquele
que ouvir as palavras da profecia deste livro: Se alguém lhes acrescentar
alguma coisa, Deus lhe acrescentará as pragas que estão escritas neste livro; e
se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, Deus lhe
tirará a sua parte da árvore da vida, e da cidade santa, que estão descritas
neste livro” (Apocalipse 22,18-19).
A IMPORTÂNCIA DA TRADIÇÃO NO
CATOLICISMO
No conceito católico,
“Tradição” é um termo empregado para designar supostos ensinamentos que Cristo
e os apóstolos transmitiram de viva voz de geração à geração à igreja. Ela é
formada pelos escritos dos “santos padres” e as declarações oficiais dos Concílios
através dos tempos. O concilio da contra-reforma (Concilio de Trento) dizia: “A
revelação sobrenatural está nos livros escritos e nas tradições não escritas…”
“A Sagrada Tradição”, afirma o Concílio Ecumênico Vaticano II
através de sua Constituição Dogmática Dei Verbum “a Sagrada Tradição…transmite
integralmente aos sucessores dos apóstolos a Palavra de Deus confiada por
Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos apóstolos…”
A tradição é a fonte primordial
de todas as doutrinas extrabíblica encontrada no bojo dogmático do catolicismo.
Por isso que somente após o concílio tridentino, foi que apareceram as
primeiras coleções de obras patrísticas – o primeiro órgão da Tradição –
fazendo frente à reforma protestante levada a cabo por Martinho Lutero. Era necessário
dar um status de autoridade à tradição a fim de dar suporte às heresias
romanistas. O teólogo católico Van Iersel, em seu artigo: “O uso da Bíblia na Igreja Católica”, inserido no vol. V, de Temas
Conciliares na página 17, confessa: “…em
oposição à reforma deu-se um lugar à Tradição ao lado da Escritura, o que
tornava muito relativo o valor da Bíblia”.(ênfase acrescentada)
Foi assim que a tradição ganhou
força junto às Escrituras, sendo até mesmo superior a esta pois, “Pela mesma
Tradição…as próprias escrituras são nela cada vez melhor compreendidas…”
sublinha o Concílio Vaticano II.
Enquanto a tradição sempre é
empregada para determinar o que diz a Bíblia, em contrapartida nunca é
permitido à Bíblia julgar a tradição. A FRAGILIDADE DAS TRADIÇÕES
A grande maioria das religiões
pagãs como o hinduismo, religiões tribais indígenas e orientais têm nas suas
tradições religiosas, transmitidas de boca a boca, uma fonte de autoridade
igual a dos livros sagrados de outras religiões.
Entretanto, esta tendência em
ver a tradição como autoridade suprema não é exclusividade das religiões pagãs
politeístas. Por exemplo, a lei Islâmica (Sharia) é baseada principalmente em
duas fontes: O Alcorão e o Hadith, que são os volumes que contem a “Tradição
Viva” ou Sunnah. Ela compreendia tudo que Maomé fez e disse à parte do Alcorão.
Outrossim, o Judaísmo tradicional segue o mesmo padrão, Bíblia-tradição. Os
livros do Antigo Testamento são visto como a Bíblia dos judeus , mas a
ortodoxia judaica está realmente definida por uma coleção de tradições
rabínicas antigas, conhecida como o Talmude. Em efeito, as tradições do Talmude
levam uma autoridade igual ou maior que a da Bíblia. O Talmude, segundo a
terminologia adotada na edição de Basiléia (1578-1581), compreende a Mischná (conjunto
de toda a lei oral admitida) e o Guemará (“aprendizado” ou “ensino” em
aramaico, conjunto de comentários feitos por doutores da lei sobre a Mischná e
outras coletâneas de leis orais).
Os judeus da época de Jesus
também colocaram a tradição em pé de igualdade com a Bíblia. Na verdade eles
fizeram as suas tradições superiores à própria Bíblia, porque esta, fora
interpretada através das tradições. Sempre que a tradição é elevada a um nível
tão alto de autoridade, fica inevitavelmente prejudicada a autoridade da
Bíblia. Jesus fez esta mesma observação quando ele confrontou os líderes
judeus. Ele mostrou de fato com isso que em muitos casos as tradições dos
judeus haviam anulado a palavra de Deus – a Bíblia. Ele os reprovou então da
maneira mais severa possível:
“Ele, porém, respondendo, disse-lhes: E vós, por que transgredis
o mandamento de Deus por causa da vossa tradição?” Mt.
15,3
“Vós deixais o mandamento de Deus, e vos apegais à tradição dos homens.”
Mc. 7,8
“Disse-lhes ainda: Bem sabeis rejeitar o mandamento de Deus,
para guardardes a vossa tradição.” Mc 7,9
“invalidando assim a palavra de Deus pela vossa tradição que vós
transmitistes; também muitas outras coisas semelhantes fazeis.” Mc. 7,13
A Igreja católica tem seu
próprio corpo de tradição que funciona em particular precisamente como o
Talmude judeu: é o padrão pelo qual a Bíblia é interpretada. Com efeito, a
tradição acaba por suplantar a voz da Bíblia. Ora, onde o ensino sobre a
intercessão dos santos e anjos, a doutrina de Maria como a Conceição Imaculada,
a suposição de que Maria é co-redentora com Cristo ? Nenhuma dessas doutrinas
pode ser substanciada através da Bíblia. Elas são o produto da tradição
católica romana.
O QUE É SOLA SCRIPTURA ?
O QUE É SOLA SCRIPTURA ?
O princípio da Reforma de sola Scriptura é pouco ou mal compreendido pelos católicos. Ela tem a ver com a suficiência da Bíblia como nossa autoridade suprema em todos os assuntos espirituais. Sola Scriptura demonstra simplesmente que toda a verdade que é necessária para nossa salvação e vida espiritual é ensinada explicitamente ou implicitamente na Bíblia.
Não é uma reivindicação de que
todo tipo de verdade tem de ser forçosamente encontrada na Bíblia. Os
apologistas católicos reivindicam a necessidade da tradição, alegando que a
Bíblia não registra tudo em matéria de fé. Isto simplesmente não é verdade. Mas
por outro lado, a sugestão da tradição como forma de solucionar esta lacuna não
resolve o problema, pois semelhantemente ela não é exaustiva. Por exemplo, a
Bíblia não dá detalhes exaustivos sobre a história da redenção, ou sobre certas
verdades científicas, dinossauros etc. Em João 21:25 diz que nem tudo aquilo
que Jesus fez estão registrados no livro, e realmente todos os livros do mundo
não seriam suficientes o bastante para aquele propósito. Mas a Bíblia não tem
de ser exaustiva para funcionar como a regra exclusiva de fé do cristão. Nós
precisamos de conhecimento necessário e não de conhecimento exaustivo. Tudo
aquilo que Deus requer de nós é dado na Bíblia e Ele nos proíbe exceder aquilo
que está escrito (Dt. 4,2 ; 12,32 - “2
Ora, eu vos louvo, porque em tudo vos lembrais de mim, e guardais os preceitos
assim como vo-los entreguei.”; “32 Tudo o que eu te ordeno, observarás; nada lhe
acrescentarás nem diminuirás.” – 1 coríntios 4,6 “6 Ora, irmãos, estas coisas eu as apliquei figuradamente a mim e a
Apolo, por amor de vós; para que em nós aprendais a não ir além do que está
escrito, de modo que nenhum de vós se ensoberbeça a favor de um contra outro.”).
Outrossim, Sola Scriptura não é
uma negação da autoridade da igreja para ensinar a revelação de Deus. A Igreja
é “o pilar e fundação da verdade” (“15 para que, no caso de eu tardar, saibas
como se deve proceder na casa de Deus, a qual é a igreja do Deus vivo, coluna e
esteio da verdade.” 1Timóteo 3,15) porque apóia e ensina a Palavra de Deus
que é a verdade João 17,17 – “17
Santifica-os na verdade, a tua palavra é a verdade.”. Porém, a igreja não
pode ensinar doutrinas de origem humana ou pode contradizer o que a Bíblia diz.
A autoridade da igreja é subordinada à autoridade da Bíblia. E por último, sola
Scriptura não é uma negação que historicamente a Palavra de Deus veio em forma
oral. Antes de escrever a sua mensagem, Deus falou pelos apóstolos e profetas,
e pessoalmente a Jesus Cristo (“1
Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais,
pelos profetas,” Hebreus 1,1). Durante o mesmo tempo o Espírito Santo moveu
os homens santos para escrever a palavra Dele para ser o registro inspirado
permanente de sua mensagem na era pós-apostólica. Os apóstolos e profetas são a
fundação da igreja (“20 edificados sobre
o fundamento dos apóstolos e dos profetas, sendo o próprio Cristo Jesus a
principal pedra da esquina;” - Efésios 2,20) mas eles estão ausentes, nós
ainda podemos construir nossa vida baseada no ensino deles que é registrado na
infalível palavra de Deus.
A SUFICIÊNCIA DAS ESCRITURAS
O senhor nunca quis se fiar na tradição oral, tanto é que mandou
seus servos escrever a sua santa palavra.
1. Ele mesmo deu exemplo escrevendo
as tábuas da lei Êxodo 24,12 – “12
Depois disse o Senhor a Moisés: Sobe a mim ao monte, e espera ali; e dar-te-ei
tábuas de pedra, e a lei, e os mandamentos que tenho escrito, para lhos
ensinares.”
2. A Moisés ordenou que
escrevesse suas leis Êxodo 34,27 – “27
Disse mais o Senhor a Moisés: Escreve estas palavras; porque conforme o teor
destas palavras tenho feito pacto contigo e com Israel.”.
3. Josué também escreveu, Josué
24,26 “26 E Josué escreveu estas
palavras no livro da lei de Deus; e, tomando uma grande pedra, a pôs ali
debaixo do carvalho que estava junto ao santuário do Senhor,”.
4. Os profetas como Isaias 8,1;30,8,
Jeremias 30,2 ; 36,1-4, Daniel 7,1, Habacuque 2,2 e outros também registraram
em forma escrita as palavras de Deus logo que as receberam!
Não encontramos no Antigo Testamento qualquer base remota que
endosse a possibilidade de uma fonte doutrinária chamada “Tradição Oral”!
Jesus e os apóstolos sempre se
valeram da palavra escrita de Deus, ela sempre foi o veículo transmissor da
revelação Divina! O texto de 2 Timóteo 3:15-17 é enfático em demonstrar que a
Bíblia e ela somente é suficiente para nos guiar, vejamos:
“e que desde a infância sabes as sagradas letras, que podem
fazer-te sábio para a salvação, pela que há em Cristo Jesus. Toda Escritura é
divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para
corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e
perfeitamente preparado para toda boa obra.” Sendo assim, Lucas poderia de fato
elogiar os crentes de Beréia como sendo “mais nobres” que os
outros pois não confiaram na transmissão oral do evangelho dada por Paulo, mas
submeteram-na ao crivo das escrituras (Atos 17,11). A palavra escrita segundo
Paulo é segurança, “Não me é penoso a
mim escrever-vos as mesmas coisas, e a vós vos dá segurança.” (Filipenses
3,1) A TRADIÇÃO ORAL TEM SUPORTE BÍBLICO ?
Os apologistas católicos
argumentam que existem certos trechos na Bíblia que dão suporte à tradição. Até
mesmo nas versões das Bíblias protestantes fala de uma certa “tradição” que
seria recebida e obedecida com reverência inquestionável. O que dizer destes
versos?. Vamos examinar agora alguns destes versículos que são citados com o
fito de embasar seus ensinos extrabíblico de, “verbum de sola Dei”, somente a palavra de Deus, que no
entendimento católico é Bíblia + tradição. Colocamo-nos ao lado do apóstolo
Pedro em reconhecer que nos ensinos de Paulo há certos “…pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem,
como o fazem também com as outras Escrituras, para sua própria perdição.”
(II Pedro 3,16) Alguns evangélicos se mostram tímidos em responder o que o
apostolo Paulo queria dizer com a palavra “tradição”.
Entretanto, um exame minucioso do versículo pode dissipar quaisquer dúvidas a
este respeito. Existem vários outros pontos que são invocados pelos católicos
para fundamentar sua doutrina, mas o espaço não nos permite ser prolixos,
iremos aqui analisar apenas os principais.
“e o que de mim ouviste de muitas testemunhas, transmite-o a
homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros.” II
Timóteo 2,2
Os católicos teimam em dizer
que este versículo é uma prova da transmissão das tradições através duma
suposta sucessão apostólica. Será?
Aqui o apóstolo Paulo instrui
Timóteo a treinar outros homens fiéis para a tarefa de liderança na igreja. Nem
de longe há alguma sugestão de sucessão apostólica neste verso, nem dá margem
para afirmar que ele estaria passando uma suposta tradição infalível com
autoridade igual à palavra de Deus. Pelo contrário, o que este verso descreve
simplesmente é o processo de discipulado. Longe de dar a estes homens um pouco
de autoridade apostólica que garantiria a infalibilidade deles, Timóteo deveria
escolher homens que tivessem provado terem sido fieis, para lhes ensinar o
evangelho, e os equipar nos princípios de liderança da igreja. que ele tinha
aprendido de Paulo. Timóteo deveria confiar a eles a verdade essencial que o
próprio Paulo tinha pregado “na presença
de muitas testemunhas”.
O que era esta verdade? Seria
ela alguma misteriosa tradição sobre Maria que permaneceu desconhecida há
séculos até que certo papa “infalível” falando ex-catedra a impusesse como
regra de fé ? Não. Essa verdade era simplesmente a mesma mensagem que aparece
na Bíblia e que Paulo declarou que era suficiente para salvar II Timóteo 3,16 –
4,2. Nada há que indique o contrário!
“Assim, pois, irmãos, estai firmes e conservai as tradições que
vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa.” II
Tessalonicenses 2,15
Este é talvez o versículo
favorito dos católicos quando eles querem apoiar a doutrina da tradição, porque
o verso delineia claramente entre a “palavra
escrita” e as “tradições orais”.
Concluem dizendo que uma boa parte de seu ensino foi oral, e que chegou até nós
somente através da tradição.
A palavra grega traduzida aqui
para “tradição” é paradosis. Há de
observar que tradição neste texto não é sinônimo da “Tradição” no conceito católico! O apóstolo está falando de
doutrina ou ensinamentos. E não há de se supor que esta doutrina não seja a
verdade inspirada de Deus que ele expôs a todos os fiéis nas páginas do Novo
Testamento. Novamente, o contexto é essencial para uma boa compreensão do que
Paulo estava querendo dizer! Os Tessalonicenses tinham sido enganados evidentemente
por uma carta forjada (supostamente escrita pelo apóstolo Paulo), falando que o
dia do Senhor já tinha chegado (2 Tessalonicenses 2,2). A igreja inteira tinha
ficado aparentemente perturbada com isto, e o apóstolo Paulo estava ansioso
para os encorajar. Então ele passa a lhes contar como reconhecer uma epístola
genuína sua, teria a marca de sua assinatura (2 Ts 3,17). Isto garantiria uma
segurança contra as epístolas espúrias em nome dele. Mas até mesmo mais
importante que isto , ele queria que eles se despertassem para os mesmos
ensinamentos que eles já haviam recebido dele. Por exemplo, ele já tinha lhes
falado que o dia do Senhor seria precedido pelo anticristo. Dizia ele: “Não vos
lembrais de que eu vos dizia estas coisas quando ainda estava convosco?” (Ts 2,5)
Não havia nenhuma desculpa para eles, pois haviam sido instruídos sobre isto
pela própria boca dele, ou seja, de forma oral ! Não devemos nos esquecer
também que esta é a segunda epístola dele aos Tessalonicenses.
Assim, a mera referência a respeito
de “tradições orais” recebidas
diretamente do próprio Paulo é irrelevante como base para a posição católica,
pois nada aqui sugere que a tradição que Paulo entregou aos Tessalonicenses
(oralmente) é algo diverso do que esteja nas cartas neotestamentaria dele.
Paulo não está encorajando os Tessalonicenses a receber alguma tradição que
tinha sido entregada a ele por terceiros, mas eram as mesmas doutrinas que
havia recebido por inspiração do próprio Deus (Gálatas 1,11-12). Invocamos aqui
um episódio análogo em que Ireneu, um dos pais da igreja ( 202 AD), em sua obra
“Contra as Heresias – Lv. III”, numa refutação aos gnósticos de então, usa as
escrituras para combate-los, entretanto, estes como meio de escape repelem as
escrituras como espúria: “Quando estes
são argüidos a partir das Escrituras, põem-se a acusar as próprias
escrituras…”. Todavia, quando eram refutados pelos apologistas através das
próprias escrituras, apelavam para a chamada “tradição Oral”. Prosseguindo,
Ireneu reproduz em poucas palavras o álibi apresentado por eles como escape:
“…é impossível achar neles (nos textos bíblicos) a verdade se se ignora a
tradição. Porque – (prosseguem dizendo) – essa verdade não foi transmitida por
escrito e sim de viva voz…”, “Quando”, afirma Ireneu, “…então passamos a apelar
para a tradição que vem dos apóstolos e se conserva nas igrejas pelas sucessões
dos presbíteros, opõem-se à tradição.” A princípio parece que Irineu ensinava a
tal chamada “Tradição Oral” nos moldes católico romano. Mas observando o texto
com mais perspicácia, concluimos que o conteúdo de tal “tradição” nada mais era
do que as próprias escrituras. Ele joga mais luz na questão quando apela para a
carta de Clemente aos Coríntios dizendo que Clemente tinha anunciado aos
Coríntios“…a tradição que tinha recebido recentemente dos apóstolos…”. Vamos
ler agora o que seria tal tradição: ele elucida que os bispos ensinavam como
tradição que há “um só Deus Onipotente, Criador do céu e da terra, que modelou
o homem, produziu o dilúvio, chamou a Abraão, fez sair seu povo do Egito, falou
a Moisés, estabeleceu o regime da lei, enviou os profetas, preparou o fogo para
o diabo e seus anjos…todos os que quiserem podem verificar segundo o mesmo
documento” e “Podem assim conhecer a tradição apostólica da Igreja…” Veja que
nada que é citado como tradição, não difere substancialmente em nada do que
está nas escrituras, vejamos: “Com
efeito, não tivemos conhecimento da economia de nossa salvação por outros que
não os pregadores do Evangelho. Este Evangelho, que eles primeiramente pregaram
depois, pela vontade de Deus, eles nos transmitiram em Escrituras a fim de se
tornar o fundamento e a coluna de nossa fé”.
Os católicos ávidos por acharem
vestígios de certas “tradições orais”
nos escritos neotestamentario acabam por deixar seus pressupostos serem os
árbitros na exegese do texto bíblico. O que segue abaixo são algumas das
objeções levantadas por apologistas católicos enviadas a nós;
“Em 1Cor 10,4, São Paulo nos
conta uma interessante história que mostra como a Tradição Oral e a Escrita
estavam situadas no mesmo nível: escrevendo sobre os sentidos figurados do
Antigo Testamento, tomou um exemplo que não está escrito nele: a rocha da qual
manava água (Ex 17,1-7; Num 20,2-13) e que acompanhava os Judeus no deserto.
Não há nada nas Escrituras sobre uma pedra andando junto com os judeus!”
Refutação: Paulo estava familiarizado com trabalhos
da literatura judaica, inclusive trabalhos do período interbíblico que
tornaram-se parte da literatura apócrifa. Esta passagem pode ser encontrada em
Philo. Ele estava igualmente familiarizado com a filosofia e mitologia grega, e
certamente utilizou destas fontes. Quanto a isto não temos dúvidas. O caso é, a
familiaridade de Paulo com tais fontes significa que elas são divinamente
inspiradas, autorizadas, e infalíveis ? Claro que não! Será que está passagem é
alguma interpretação oral da Bíblia desde Philo até Moisés aplicando-se aos
cristãos hoje? Novamente não. A Bíblia usa às vezes fontes não inspiradas (cf.
Nm. 21,14 Js. 10,13 I Rs 15,31) Por três vezes Paulo cita pensadores não
cristãos como Arato, Menânder e Epimênides (At. 17,28; I Cor. 15,33; Tt. 1,12).
A Bíblia porém nunca faz tais citações como tendo autoridade da parte de Deus.
As frases usuais de autenticação divina tais como “assim diz o Senhor” ou “está
escrito” nunca são encontradas quando há citações destas obras
pseudepigráficas.
Na interpretação alegórica de
Philo sobre a lei, o maná e a bebida (ou fonte da bebida) é comparada a
sabedoria de Deus. Paulo interpreta estas identificações em termos da sabedoria
do Judaísmo helenístico aplicando-as a Cristo. Isto não significa que ele
desejou dizer sobre Cristo tudo aquilo que o Judaísmo helenístico disse sobre a
sabedoria.
Agora os católicos dizem que
Paulo tirou isto da “Tradição Oral”.
Sim, ele tirou de fontes extra-biblica, mas o que isto prova? Prova somente que
ele tirou ilustrações e terminologias de todos os tipos de lugares. Da mesma
maneira, como já dissemos, ninguém discutiria que ele fez uso de filósofos
gregos, e nenhum cristão diria que tais fontes são infalíveis, inspiradas, ou
em qualquer aspecto espiritualmente autorizada para nós.
“Também quando São Judas nos diz que São Miguel não quis julgar
a blasfêmia de Satanás, quando estavam lutando pelo corpo de Moisés, mas
deixou-o ao Julgamento de Deus, não ousou julgar a blasfêmia, mas disse: “Cabe
a Ti, Senhor”. Ele estava também citando a Tradição Oral. Ou alguém consegue
encontrar esta passagem na Bíblia? Estes elementos usados pelos apóstolos que
não se encontram no Antigo Testamento vêm da Tradição Divina que era mantinha o
mesmo pé de igualdade com as Escrituras (Torah, Profetas, Livros de Sabedoria e
os Salmos)”.
Refutação: Devemos esclarecer algumas coisas de
antemão. Semelhantemente a Paulo, Judas usa fontes extra-bíblicas, como no
verso 9, um trecho tirado do livro “A ascensão de Moisés” e no verso 14 do
livro de “Enoque”, ambas literaturas apócrifas. Porém, é bom lembrar que nem a
Igreja Católica aceita estes livros como inspirados. Se os católicos advogam
esta passagem para fundamentar sua tese da “Tradição
Oral” então, para serem coerentes, terão de aceitar todo o resto do livro.
Mas é claro que eles não farão isso!
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