I. A CRUZ E A SALVAÇÃO – Gl 1,3-5.
Leiamos o texto com atenção, pois esta saudação é uma declaração teológica cuidadosamente equilibrada a cerca da cruz.
Þ A morte de Jesus foi tanto voluntária quanto determinada.
· Voluntária - "que se entregou por nossos pecados, para nos libertar da perversidade do mundo presente, segundo a vontade de Deus, nosso Pai," (Gl 1,4).
· Determinada - "que se entregou por nossos pecados, para nos libertar da perversidade do mundo presente, segundo a vontade de Deus, nosso Pai," (Gl 1,4).
Þ A morte de Jesus foi pelos nossos pecados.
O pecado e a morte – causa e efeito, conforme as Escrituras – são relacionados sempre a mesma pessoa – quem peca, morre – Neste caso, embora os pecados fossem nossos, foi Cristo que sofreu a pena por eles, na cruz.
· O propósito da morte de Jesus foi nos resgatar – não há possibilidade de auto-salvação, daí a necessidade de resgate. Jesus morreu a fim de nos salvar “da perversidade do mundo presente”. Jesus inaugurou uma nova era e nos transportou a ela.
· O resultado presente da morte de Jesus é graça e paz.
q Graça – favor livre e imerecido. Paulo exprime seu espanto de que os gálatas tão rapidamente tivessem desertado aquele que os tinha chamado “na graça de Cristo”(v6). O chamado de Deus é o chamado da graça. O evangelho de Deus é o evangelho da graça.
q Paz – reconciliação com Ele e de uns com os outros.
· O resultado eterno da morte de Jesus é que Deus será glorificado para sempre. A graça e a glória são parte da mesma sentença. A graça provém de Deus; a glória é devido a Ele.
II. A CRUZ E A EXPERIENCIA – Gl 2,19-21.
Þ Contexto.
Paulo aqui esta ensinando que a função da lei é condenar, não justificar – v.16 – Contando apenas com a lei o meu fim se daria na minha merecida morte, mas Deus providenciou que Cristo levasse minha penalidade pela quebra da lei, desde que eu esteja unido a Ele – vs 19-20.
Þ Experiência. – Rm 6 e Gl 2
Paulo aqui está falando do problema da heresia do antinomianismo, que diz que ninguém pode ser justificado mediante a observância da lei. Mas também ninguém está livre para quebrá-la – livre para pecar.
· O pecado morreu (Rm 6,5-6) – está crucificado com Cristo. A verdade bíblica é bem simples: a parte de mim que estava ligada ao pecado morreu. De certa forma, “não devo mais saber pecar”.
· Mas está vivo para Deus (Rm 6,11) – o “novo eu” deve viver do modo como cristo vive. Esta segunda afirmação fala de uma “nova inclinação” recebida a partir da cruz de cristo – que passa a ser nossa experiência. É como o gatinho que pode até se sujar aqui e acolá, mas sempre estará procurando a limpeza. O contrário se dá com o porquinho, que até poderá ser surpreendido numa condição de boa higiene, mas sua tendência será sempre a lama.
Qual é a minha tendência ou inclinação? Pureza ou pecado? Com esta resposta podemos avaliar a “autenticidade” do novo nascimento. Pelos frutos conhecemos a árvore.
III. A CRUZ E A PREGAÇÃO – Gl 3,1-3.
Paulo lembra que até mesmo o apostolo Pedro, assim como os gálatas, haviam sido fascinados, em alguma medida, por abandonar a doutrina da justificação pela fé. Paulo implica que devemos ter sido enfeitiçados, talvez pelo arquienganador, embora sem dúvida pelos falsos mestres humanos. Neste contexto ele nos ensina sobre a pregação do evangelho:
Þ Pregar o evangelho é proclamar a cruz. "E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura". (Mc 16,15)
Þ Pregar o evangelho é proclamar visualmente a cruz. “Jesus Cristo exposto como crucificado” - no grego, a palavra exposta significa desenhado ou pintado para apresentação pública ante os olhos. Paulo compara sua pregação do evangelho a uma enorme pintura de um cartaz onde Cristo aparece na cruz. Uma das maiores artes ou dons da pregação do evangelho é transformar os ouvidos das pessoas em olhos, e fazê-las ver o que estamos falando.
Þ Pregar o evangelho é proclamar visualmente a cruz como uma realidade presente. A carta aos Gálatas foi escrita, provavelmente, 15 anos após a cruz de Cristo. A maioria de seus leitores, se não todos, não tinham sido testemunhas oculares da cruz. O que Paulo fez foi trazer aquele evento do passado para o presente através da pregação, e é isso que devemos nós também fazer. O ministério da palavra e do sacramento tem este poder: vences a barreira do tempo, tornando presentes os eventos da crucificação do passado, a fim de que as pessoas vendo possam reagir a eles: aceitando ou rejeitando.
Þ Pregar o evangelho é proclamar visualmente a cruz como uma realidade presente e permanente. O termo “Cristo exposto como crucificado” não está no tempo verbal grego “aoristo”, mas no “perfeito”. A gramática, portanto, indica que Paulo estava dizendo que a crucificação tem poder e benefícios permanentes. A cruz jamais deixará de ser o poder da salvação de Deus para os que crêem.
Þ Pregar o evangelho é proclamar a cruz também como objeto de fé e pessoal. Paulo expôs Cristo crucificado ante os olhos dosa crentes da Galácia, não apenas para causar admiração, mas para persuadi-los a virem e colocarem sua confiança em Cristo como seu Salvador crucificado. E assim continuarem por toda a vida – o que eles não estavam fazendo.
IV. A CRUZ E A SUBSTITUIÇÃO – Gl 3,10-14.
Þ Esta palavra é deliberada, propositada e biblicamente forte, e assim se mantém, apesar de esforços para suavizá-la:
· A Bíblia é agressiva nesta matéria: "o seu cadáver não poderá ficar ali durante a noite, mas tu o sepultarás no mesmo dia; pois aquele que é pendurado é um objeto de maldição divina. Assim, não contaminarás a terra que o Senhor, teu Deus, te dá por herança". (Dt 21,23). Isto é ainda mais forte do que o termo “maldição da lei” usado por Paulo.
· É um sinal histórico, não apenas uma ficção forense – Cristo, de fato, morreu envolvido num “genuíno sentimento de companheirismo”.
· É a expressão exata da grande humilhação que Cristo assumiu por nós: Cristo se tornou “maldição” é uma metonímia – figura de linguagem que usa o autor no lugar da obra, por exemplo: “você já leu Jonas”? – do amaldiçoado. É como se disséssemos: “por nossa causa, Deus fez Cristo um amaldiçoado”. Assim como Cristo se tornou “pecado” por nós - "Aquele que não conheceu o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nós nos tornássemos justiça de Deus". (2Cor 5,21).
Þ A lógica do ensino de Paulo é clara.
· Todos os que confiam na lei estão sob maldição – "Que ninguém é justificado pela lei perante Deus é evidente, porque o justo viverá pela fé (Hab 2,4)". (Gl 3,11). O ser humano é maldito porque jamais “permaneceu” em “praticar” o que requer a lei.
· O justo vivera pela fé – "Ora, a lei não provém da fé e sim (do cumprimento): quem observar estes preceitos viverá por eles (Lv 18,5)". (Gl 3,12). Viver “pela fé” e viver “pela lei” são dois estados completamente diferentes. Embora teoricamente os que obedecem à lei viverão, na prática, ninguém viverá porque ninguém é capaz de obedece-la (exceto Cristo). Quem obedece a todos os mandamentos menos um é culpado de todos - "Pois quem guardar os preceitos da lei, mas faltar em um só ponto, tornar-se-á culpado de toda ela". (Tg 2,10).
· Cristo nos redimiu da maldição da lei fazendo-se maldição por nós - "Cristo remiu-nos da maldição da lei, fazendo-se por nós maldição, pois está escrito: Maldito todo aquele que é suspenso no madeiro (Dt 21,23)". (Gl 3,13). "Aquele que não conheceu o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nós nos tornássemos justiça de Deus". (2Cor 5,21).
· Cristo fez isso a fim de que nele a bênção de Abraão pudesse ir para os gentios, pela fé - "Assim a bênção de Abraão se estende aos gentios, em Cristo Jesus, e pela fé recebemos o Espírito prometido". (Gl 3,14). "Abençoarei aqueles que te abençoarem, e amaldiçoarei aqueles que te amaldiçoarem; todas as famílias da terra serão benditas em ti.”" (Gn 12,3). Com a justificação do pecador em Cristo – o descendente prometido em Abraão – todas as famílias da terra podem ser abençoadas.
V. A CRUZ E A PERSEGUIÇÃO – Gl 5,11; 6;12.
Þ Pregar a circuncisão é pregar a salvação pela lei, isto é, por meio da realização humana. Significa fugir da cruz com seu escândalo, e da conseqüência e inevitável perseguição. Nos tempos de Paulo havia muitos mestres que evitavam a perseguição pregando a “circuncisão” em lugar da cruz - "Se é verdade, irmãos, que ainda prego a circuncisão, por que, então, sou perseguido? Assim o escândalo da cruz teria cessado!" (Gl 5,11); "Os que vos obrigam à circuncisão são homens que se querem impor, só para não serem perseguidos por causa da cruz de Cristo". (Gl 6,12).
Þ Pregar a cruz é pregar a salvação pela graça de Deus somente. Tal mensagem é a pedra de tropeço - "mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos;" (1Cor 1,23) – porque humilha o homem, encurralando-o num beco com uma única saída: a salvação pela graça sem mérito humano. Logicamente esta mensagem é impopular.
VI. A CRUZ E A SANTIDADE – Gl 5,24.
Þ O contexto – Gl 5.
· O significado da liberdade moral - "Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Não abuseis, porém, da liberdade como pretexto para prazeres carnais. Pelo contrário, fazei-vos servos uns dos outros pela caridade," (Gl 5,13). Não é a auto-indulgência, é domínio próprio. Não é servir a nós mesmos, é servir uns aos outros, em amor.
· O conflito interior. A carne com seus atos –Gl 5,16-18 – imoralidade sexual, apostasia religiosa e quebra social – contra o Espírito com seu fruto em relação a Deus, ao próximo e a nós mesmos. O predomínio s dá andando no Espírito - "Se vivemos pelo Espírito, andemos também de acordo com o Espírito". (Gl 5,25), ao mesmo tempo em que “crucificamos a carne” (Gl 5,24).
Þ O texto – Gl 5,24 – “crucificar a carne” Paulo enfatiza a necessidade de rejeitar a carne de modo cruel, justamente com seus desejos.
· Como Jesus havia ensinado quando mandou “tomar a cruz” a fim de segui-lo. Lutero esclareceu – o povo de Cristo prega a sua carne à cruz, “de modo que embora a carne ainda viva, contudo não pode realizar o que faria, pois se encontra atada de pés e mãos, e firmemente pregada na cruz”. Não crucificar a carne implica crucificar novamente a Cristo. É como passar do lado do Crucificado para o dos crucificadores.
· Dois tipos de crucificação:
- Somos crucificados com Cristo - "Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim". (Gl 2,20) – voz passiva.
- Crucificamos a velha natureza - "Pois os que são de Jesus Cristo crucificaram a carne, com as paixões e concupiscências". (Gl 5,24) – voz ativa.
VII. A CRUZ E A VANGLÓRIA – Gl 6,14.
"Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo". (Gl 6,14).
Þ O que significa gloriar-se na cruz.
· Vê-la como o caminho da aceitação diante de Deus. Este é o ponto central e o motivo da carta - "Onde está, portanto, o motivo de se gloriar? Foi eliminado. Por qual lei? Pela das obras? Não, mas pela lei da fé". (Rm 3,27).
· Vê-la como padrão de nossa negação própria - as três cruzes da doutrina de Paulo:
- A cruz de Cristo – substituição.
- A crucificação do cristão para o mundo – o abandono da carne e seus valores.
- A crucificação do mundo para o cristão – o abandono do sistema maligno e corrupto que sempre está à disposição dos homens: valores do mundo, materialismo ímpio, vaidade e hipocrisia.
CONCLUINDO
Reagrupemos as sete grandes declarações de Paulo na carta aos Gálatas acerca da cruz numa ordem teológica:
Þ A cruz é fundamento da nossa justificação:
· Resgatou-nos do presente mundo perverso – "que se entregou por nossos pecados, para nos libertar da perversidade do mundo presente, segundo a vontade de Deus, nosso Pai," (Gl 1,4).
· Redimiu-nos da maldição da lei - "Cristo remiu-nos da maldição da lei, fazendo-se por nós maldição, pois está escrito: Maldito todo aquele que é suspenso no madeiro (Dt 21,23)". (Gl 3,13).
Para nos apresentar perante Deus como filhos e filhas, para sermos declarados justos e recebermos a habitação do Espírito.
Þ A cruz é o meio da nossa santificação:
· Crucificados com Cristo: onde estou incluído nele - "Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim". (Gl 2,20).
· Crucificação da carne: de nós mesmo para o mundo - "Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo". (Gl 6,14).
· Crucificação do mundo: do mundo para nós - "Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo". (Gl 6,14).
Þ A cruz é o assunto do nosso testemunho.
Apresentar a Cristo crucificado de modo que vejam e creiam - "Ó insensatos gálatas! Quem vos fascinou a vós, ante cujos olhos foi apresentada a imagem de Jesus Cristo crucificado?" (Gl 3,1).
· O assunto é a cruz: mérito de Cristo - "Os que vos obrigam à circuncisão são homens que se querem impor, só para não serem perseguidos por causa da cruz de Cristo". (Gl 6,12).
· O assunto não é a circuncisão: mérito do homem - "Se é verdade, irmãos, que ainda prego a circuncisão, por que, então, sou perseguido? Assim o escândalo da cruz teria cessado!" (Gl 5,11).
Þ A cruz é o objeto de nossa glória - "Quanto a mim, não pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo". (Gl 6,14).
Quatro iniciativas humanas inaceitáveis para Deus, que nos tornam seus inimigos:
· A justificação própria - em vez de ir à cruz e depender de Cristo.
· A auto-indulgência – em vez de tomar a cruz e segui-lo.
· O anuncio próprio – em vez de pregar a Cristo crucificado.
· A glorificação própria – em vez de nos gloriarmos na cruz.
Para Paulo, a cruz não era apenas uma imagem para apoiar a fé. Era um compromisso, um alvo, uma agenda, uma companheira: na perseguição, na pregação, na alma, na mente e até no corpo - "De ora em diante ninguém me moleste, porque trago em meu corpo as marcas de Jesus". (Gl 6,17).
“Só o homem crucificado pode pregar a cruz” – Campbell Morgan
"Os outros discípulos disseram-lhe: Vimos o Senhor. Mas ele replicou-lhes: Se não vir nas suas mãos o sinal dos pregos, e não puser o meu dedo no lugar dos pregos, e não introduzir a minha mão no seu lado, não acreditarei!" (Jo 20,25).
E o mundo também está dizendo a cada pregador: a menos que eu veja em suas mãos as marcas dos cravos não crerei. É verdade. Só o homem que morreu com Cristo pode pregar a cruz.
Marco Antonio Lana
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