Através da cruz de Cristo, Deus está formando para si um novo povo, exclusivamente seu, zeloso de boas obras - "que se entregou por nós, a fim de nos resgatar de toda a iniqüidade, nos purificar e nos constituir seu povo de predileção, zeloso na prática do bem". (Tt 2,14). Sendo assim, a partir desta vamos sair do foco individualista da cruz de Cristo para o coletivo.
“Assim, o mesmo propósito da sua auto doação na cruz não foi salvar indivíduos isoladamente, perpetuando a sua solidão, mas também criar uma nova comunidade cujos membros pertencem a ele, amassem uns aos outros e zelosamente servissem ao mundo” – Stott.
Essa nova comunidade de Cristo é a comunidade da cruz. Sua existência se deve à cruz, continua a viver pela cruz e debaixo dela. Nossa perspectiva e nosso comportamento agora são governados pela cruz. Todos os membros desta nova comunidade passaram, necessariamente, por esta cruz , e foram radicalmente transformados por ela. Na verdade, cada um toma a sua cruz. A cruz não é apenas um distintivo que nos identifica e um pendão sob o qual marchamos; é também a bússola que nos dá a direção num mundo desorientado.
I. UM RELACIONAMENTO NOVO COM DEUS.
O apostolo Paulo coloca de forma bastante evidente em suas epístolas (principalmente Efésios) o que éramos antes (sem Cristo) e o que somos agora (em Cristo). Aos Coríntios, afirma que fomos, por meio de Cristo reconciliado com Deus. É um novo relacionamento com Deus, mais íntimo e mais próximo, que possui algumas marcas.
Þ Ousadia.
Parece-nos que esta palavra é própria do meio cristão. Não é tão comum em outras religiões. Os apóstolos gostam dela! O termo ousadia significa abertura, fraqueza, coragem, tanto em nosso testemunho ao mundo, quanto em nossas orações a Deus. Em seu comentário de Atos, Stott certifica que, quando se diz que os apóstolos falavam com intrepidez, fala-se de um discurso franco – sem Omissão de verdades – claro – sem expressões obscuras – e confiante – sem medo das conseqüências – Através de Cristo, agora somos capazes de “nos aproximarmos de Deus com liberdade e confiança”. Por causa do sumo - sacerdócio de Cristo temos ousadia de chegar ao trono da graça de Deus e temos ousadia pelo sangue de Cristo para entrar no Santo dos Santos da própria presença de Deus - "Pela fé que nele depositamos, temos plena confiança de aproximar-nos junto de Deus". (Ef 3,12); "Aproximemo-nos, pois, confiadamente do trono da graça, a fim de alcançar misericórdia e achar a graça de um auxílio oportuno". (Hb 4,16); "Por esse motivo, irmãos, temos ampla confiança de poder entrar no santuário eterno, em virtude do sangue de Jesus," (Hb 10,19). Essa liberdade de acesso e essa fraqueza de aproximação a Deus em oração não entram em choque com a humanidade, pois são devidas inteiramente ao mérito de Cristo e não ao nosso.
Þ Amor.
Amor gera amor. Depois da cruz de Cristo, o conceito de amor foi aprofundado. Ao afirmar que - "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos". (Jo 15,13), Jesus revolucionou a palavra “amor”. Pois demonstra, com a própria vida, a mais profunda, alta, larga e comprida medida desta palavra. Portanto, neste novo relacionamento com Deus, os fieis ao se reunirem para celebrar e ter mútua comunhão têm como modelo, exemplo e parâmetro. Alguém que deu a sua vida para formar esta comunidade. Desta forma, qualquer coisa que se fizer em prol de um membro da família de Cristo terá sempre de ser comparada com o que Ele mesmo fez por essa pessoa. Afinal "nós amamos, porque Deus nos amou primeiro". (1Jo 4,19).
Þ Alegria.
“Quando o Senhor trouxe do cativeiro os que voltaram a Sião, éramos como os que estão sonhando. Então a nossa boca se encheu de riso e a nossa língua de cânticos. Então se dizia entre as nações: Grandes coisas fez o Senhor por eles”. (Sl 126,1-2). A alma salva, liberta, regenerada e perdoada quer cantar, salta de alegria. E a alegria da salvação é única, exclusiva, incomparável – “Restitui-me a alegria da tua salvação, e sustém-me com um espírito voluntário.” (Sl 51,12). Os cristãos da igreja primitiva tomavam suas refeições juntos - "Unidos de coração freqüentavam todos os dias o templo. Partiam o pão nas casas e tomavam a comida com alegria e singeleza de coração," (At 2,46). O convite de Paulo à igreja de Filipos é estendido também a nós - "Alegrai-vos sempre no Senhor. Repito: alegrai-vos!" (Fl 4,4).
O povo de Deus é um povo que canta. E é impossível fazer com que porem de cantar. Por tudo que Deus fez, por tudo que faz e por tudo que irá fazer, produz gratidão e louvor em nossos corações. Paulo exprime essa jubilosa alegria ao mencionar, para a igreja de Corinto, a mais bem conhecida festa judaica – “Purificai-vos do velho fermento, para que sejais massa nova, porque sois pães ázimos, porquanto Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. Celebremos, pois, a festa, não com o fermento velho nem com o fermento da malícia e da corrupção, mas com os pães não fermentados de pureza e de verdade.” (1Cor 5,7-8).
II. O SACRIFICIO DE CRISTO E A CEIA DO SENHOR.
A ceia do senhor se encontra no centro da vida de celebração da Igreja. Foi instituída por Jesus durante a refeição pascal. Substituiu recitação cerimonial que dizia – “Este é o pão da aflição que nossos pais comeram” por “Este é o meu corpo dado por vós ... Este é o meu sangue derramado por vós”. O pão e o vinho da festa cristã nos convidam a olhar de volta para o centro da história da nossa salvação – a Cruz de Cristo.
Na ceia do Senhor não ministramos os elementos a nós mesmos. Eles nos são dados; nós os recebemos. Assim como comemos o pão e bebemos o vinho fisicamente, da mesma forma, espiritualmente, pela fé, nos alimentamos do Cristo crucificado em nossos corações. Assim, na ceia, somos mais ou menos passivos, recipientes e não doadores beneficiários e não benfeitores.
O que fazemos na ceia do Senhor está relacionado como sacrifício de Jésus na cruz, de cinco modos:
Þ Lembramo-nos do seu sacrifício – “Fazei isto em memória de mim” (1Cor 11,24-25). O pão e o vinho são usados para “refrescar” nossa memória; trazer a cruz de volta aos nossos pensamentos.
Þ Participamos dos seus benefícios – o propósito do culto ultrapassa a “comemoração” e chega à “comunhão” - "O cálice de bênção, que benzemos, não é a comunhão do sangue de Cristo? E o pão, que partimos, não é a comunhão do corpo de Cristo?" (1Cor 10,16). Por esse motivo, é chamada de “santa comunhão ” (visto que através dela podemos participar de Cristo) e “ceia do Senhor” (visto que através dela podemos nos alimentar de Cristo).
Þ Proclamamos seu sacrifício - "Assim, todas as vezes que comeis desse pão e bebeis desse cálice lembrais a morte do Senhor, até que venha". (1Cor 11,26). A ceia do Senhor é um momento extraordinário, pois olhamos em duas direções ao mesmo tempo – passado e futuro. Anunciamos a morte do Senhor e, ao mesmo tempo, proclamamos sua segunda vinda.
Þ Atribuímos nossa unidade ao seu sacrifício – na ceia nós nos “reunimos” - "Desse modo, quando vos reunis, já não é para comer a ceia do Senhor," (1Cor 11,20). Em todas as culturas, a refeição é um momento para reunião. Pelo fato da mesa ser a mesma, o ambiente é propício para se reunir. “porque nós”, completa o apóstolo, "Uma vez que há um único pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos nós comungamos do mesmo pão". (1Cor 10,17).
Þ Damos graças por seu sacrifício, e como prova de nossa ação de graças oferecemos a nós mesmos, nossa alma e corpo como “sacrifício vivo” ao seu serviço - "Eu vos exorto, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: é este o vosso culto espiritual". (Rm 12,1).
Desta forma, sempre que celebramos a ceio do Senhor, lembramos e participamos do seu sacrifício como o fundamento de nossa unidade proclamou e reconheceu esse sacrifício e respondemos a ele em grata adoração.
III. O NOSSO SACRIFICIO E A CEIA DO SENHOR.
Será que ainda hoje, existe algum sacrifício que a Igreja de Cristo pode oferecer a Ele, já que ela é chamada de “sacerdócio santo”? De acordo com Stott, a Escritura menciona oito.
Þ Corpos como sacrifício vivo. Isso parece uma oferta material, mas é chamado de nosso culto racional - "Eu vos exorto, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: é este o vosso culto espiritual". (Rm 12,1), presumivelmente porque agrada a Deus e se expressa na adoração que procede do coração.
Þ Oferecemos a Deus o nosso louvor, adoração e ações de graça – "Por ele ofereçamos a Deus sem cessar sacrifícios de louvor, isto é, o fruto dos lábios que celebram o seu nome (Os 14,2)". (Hb 13,15). A expressão “sacrifício de louvor” coloca o sacrifício do cristão em contraste com os sacrifícios judaicos – cf. Lv 7,12-13.18; Hb 13,10ss.
Þ A oração também é um sacrifício, a qual se diz que sobe a Deus como fragrante incenso - "Quando recebeu o livro, os quatro Animais e os vinte e quatro Anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo cada um uma cítara e taças de ouro cheias de perfume (que são as orações dos santos)". (Ap 5,8); “Adiantou-se outro anjo e pôs-se junto ao altar, com um turíbulo de ouro na mão. Foram-lhe dados muitos perfumes, para que os oferecesse com as orações de todos os santos no altar de ouro, que está adiante do trono. A fumaça dos perfumes subiu da mão do anjo com as orações dos santos, diante de Deus.” (Ap 8,3-4).
Þ Um “coração compungido (quebrantado) e contrito” – “O sacrifício aceitável a Deus é o espírito quebrantado; ao coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus”. (Sl 51,17), o qual Deus aceita e jamais despreza.
Þ A fé também é chamada de O sacrifício aceitável a Deus é o espírito quebrantado; ao coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus.”sacrifício e culto” - "Ainda que tenha de derramar o meu sangue sobre o sacrifício em homenagem à vossa fé, eu me alegro e vos felicito". (Fl 2,17).
Þ As ofertas e as boas obras – são classificadas como sacrifícios dos quais Deus se agrada - "Recebi tudo, e em abundância. Estou bem provido, depois que recebi de Epafrodito a vossa oferta: foi um suave perfume, um sacrifício que Deus aceita com agrado". (Fl 4,18); "Não negligencieis a beneficência e a liberalidade. Estes são sacrifícios que agradam a Deus!" (Hb 13,16); "Cornélio fixou nele os olhos e, possuído de temor, perguntou: Que há, Senhor? O anjo replicou: As tuas orações e as tuas esmolas subiram à presença de Deus como uma oferta de lembrança". (At 10,4).
Þ A nossa vida derramada como uma libação no culto de Deus – até à morte - "Quanto a mim, estou a ponto de ser imolado e o instante da minha libertação se aproxima". (2Tm 4,6).
Þ A oferta especial do evangelista – cuja pregação do evangelho é chamada de “dever sacerdotal” porque ele é capaz de apresentar os seus convertidos como “uma oferta agradável a Deus” (Rm 15,16).
Só duas coisas que quero acrescentar a este maravilhoso apanhado de texto e idéias bíblicas que Stott fez sobre o sacrifício do povo de Deus no 2.º Testamento – um texto bíblico e uma pergunta.
· O texto é – Ef 5,1-2 “Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos muito amados. Progredi na caridade, segundo o exemplo de Cristo, que nos amou e por nós se entregou a Deus como oferenda e sacrifício de agradável odor.”
· E a pergunta – Será que, com tantas coisas a serem feitas de que indubitavelmente Deus se agrada, ainda queremos andar atrás de outras que não temos tanta certeza de que estão subindo como aroma suave e agradável a Ele?
CONCLUINDO
Há tantos motivos para celebrarmos a Deus pela cruz de Cristo que nada precisamos inventar sobre ela. A morte do filho de Deus comprova a nossa total incapacidade de fazer algo por nós mesmos. Alias, este é o significado do termo “misericórdia” - ajuda que alguém vem dar a outro alguém que não pode ajudar a si mesmo. Daí a necessidade dele entregar-se a si mesmo para fazer-nos seu povo.
Marco Antonio Lana - Teologia Bíblica
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