domingo, 20 de setembro de 2020

”Eis que a jovem/virgem está grávida” – (IS 7.14)



 Introdução

Por isso, Adonay dará para vós um sinal: Eis que a jovem/virgem está grávida, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel (Is 7.14).

Isaías 7.14 é um dos principais textos que fundamenta a doutrina do nascimento virginal de Cristo. O evangelista Mateus, relatando o nascimento virginal do Messias, cita o texto isaiano como prova de que as promessas messiânicas veterotestamentárias se cumpriram cabalmente com o advento do Jesus nascido em Belém (Mt 1.23). Mas, por uma simples leitura de Isaías 7.14 no texto hebraico e no contexto de Isaías 7, constata-se certo dilema em relação à citação do Evangelho de Mateus. Acontece que a palavra “virgem”, como está na maioria das versões em português, é a tradução do hebraico ‘almah, uma jovem, possivelmente recém-casada. Mateus não cita o texto hebraico, mas a tradução grega (Septuaginta), que traduziu ‘almah por parthenos “virgem”. E, por uma simples leitura de Isaías 7 (versos que antecedem e aqueles que seguem o v.14), nota-se que o nascimento do Emanuel teria de acontecer no século 8 a.C., na época do profeta Isaías. Então, será que o evangelista se enganou? A palavra ‘almah aceita a tradução “virgem”? A profecia de Isaías visava um cumprimento restrito à época do profeta, ou visava somente o nascimento de Jesus conforme é relatado no Novo Testamento? 

1. O contexto histórico
É importante salientar que a profecia de Isaías a respeito do Emanuel aconteceu no contexto da guerra siro-efraimita. É o que se lê em Isaías 7.1-2. Trata-se da mobilização da Síria e de Efraim (outra designação para o reino do Norte, Israel) contra Judá, na tentativa de depor o davidita Acaz, já que este se recusou a se aliançar com os sírios e israelitas na luta contra a Assíria. O rei da Síria, Rezim, e o rei de Israel, Peca (7.1), almejavam colocar no trono judaíta “o filho de Tabeal” (7.6), “provavelmente um arameu da corte de Damasco”1 . Portanto, a Síria e Israel intentavam destruir a dinastia de Davi, que até então reinara 250 anos sobre Judá. 

O ano era 734 a.C. A notícia chegou à casa de Davi: “A Síria está aliada com Efraim” (7.2). Esta iminente ameaça contra a dinastia de Davi causou muito temor no palácio de Judá, como se nota em Isaías 7.2: “ficou agitado o coração de Acaz”. 

2. O contexto literário
Isaías 7.14 está inserido dentro de um contexto literário maior, composto por Isaías 7.10-17, que por sua vez situa-se em outro conjunto formado por Isaías 7 — 8. As unidades literárias destes capítulos estão relacionadas com a guerra siro-efraimita e com a iminente invasão dos assírios no corredor sírio-palestino. 
Os seguintes blocos literários antecedem Isaías 7.10-17:

7,1-2: trata-se de uma introdução histórica. Refere-se à trama dos sírios e israelitas: a deposição de Acaz, almejando a destruição da dinastia de Davi.

7.3-9: este trecho é uma resposta divina contra o intento dos reis da Síria e de Israel, prometendo amparo para Acaz. Isaías vai ao encontro do rei de Judá no “aqueduto do açude superior”. O rei está tomando precauções para o abastecimento de água para Jerusalém, prevendo que o cerco dos sírios e israelitas forçaria o povo a se encurralar para dentro da cidade. Mas, por ordem de Javé, o profeta vai onde o rei está, fazendo-se acompanhado por seu filho se’ar yaxub “um resto-volverá”. O nome do menino detém uma mensagem de esperança para a dinastia de Davi. Acaz não deveria temer o ataque de Rezim e de Romalias (v.4). Eis a promessa divina: a deposição de Acaz do trono e o fim da dinastia davídica não aconteceriam (“Isto não subsistirá, nem tampouco acontecerá”, v.7). Há uma palavra de juízo contra os inimigos de Judá (v.8). Efetivamente os assírios subjugaram Damasco, capital da Síria, em 732 a.C., e destruíram Samaria, capital de Israel, em 721 a.C. Toda a mensagem de Isaías converge para o v.9b:  “se o não crerdes, certamente não permanecereis”. A continuação de Acaz sobre o trono davídico depende da fé na palavra divina.

Qual será a atitude do rei Acaz mediante a promessa divina proferida por Isaías? A resposta está em Isaías 7.10-17. 

3. Tradução literal
10 E continuou Javé a falar para Acaz:
11 Pede para ti um sinal de Javé, teu Deus,
    pede na profundeza ou na altura para cima,
12 E disse Acaz:
    Não pedirei,
    e não tentarei a Javé

13 E disse ele: 
     Ouvi agora, casa de Davi!
       Pouca coisa é cansardes os homens que cansareis também o meu Deus?
14 Por isso, Adonay dará para vós um sinal:
     Eis que a jovem está grávida, 
     e dará à luz um filho,
     e chamará o seu nome Emanuel.
15 Coalhada e mel ele comerá,
    até que saiba rejeitar o mal e escolher o bem
16 Pois antes que o menino saiba rejeitar o mal e escolher o bem será abandonada a terra, 
    diante de cujos dois reis tu te apavoras.
17 E fará vir Javé sobre ti, 
                           e sobre o teu povo,
                           e sobre a casa do teu pai,
                               dias que não vieram desde os dias em que separou Efraim de Judá: o rei da Assíria.

4. Análise exegética
O v.10 inicia-se com o verbo hifil yasap “acrescentar”, “continuar”. Assim, Isaías 7.10-17 é continuação da unidade anterior (v.3-9). A fala isaiana tem um objeto: Acaz, que, de acordo com os v.3-9, prepara-se para a invasão siro-efraimita.
O v.11 é o conteúdo da fala profética. Acaz é inquirido a pedir um “sinal de Javé”:

Pede para ti um sinal de Javé, o teu Deus,
pede na profundeza ou na altura para cima

É importante notar que o termo hebraico ‘ot “sinal” refere-se a algo que seria cumprido num curto espaço de tempo. David Payne afirma que “uma predição pode ser feita para o longo prazo, mas um sinal é por definição um sinalizador na situação contemporânea que aponta para um evento mais distante”13. O ‘ot me’im yhwh “sinal de Javé” certamente relaciona-se com a mensagem de livramento prometida à casa de Davi nos v.3-9. Considerando Isaías como mensageiro divino, pode-se afirmar que a ordem procede do próprio Javé. É Javé quem ordena ao rei Acaz pedir um “sinal”. Isso significa que se o rei Acaz obedecesse à voz divina, e pedisse o “sinal de Javé”, estaria comprovando sua fé (veja v.9b), e afirmando o livramento de Deus das mãos do rei de Israel e da Síria. Tratar-se-ia, pois, de um “sinal de fé”. Acaz deveria pedir o “sinal de Javé” para si mesmo: xe’al-leka “pede para ti”. Ou seja, o sinal teria por objetivo comprovar para o próprio rei que Javé cumpriria a promessa de livramento esboçada nos v.3-9a. 

Acaz responde incisivamente ao pedido do sinal: Não pedirei, e não tentarei Javé (v.12) São dois verbos precedidos pela partícula negativa lo’ “não”. O primeiro verbo é a primeira pessoa do verbo xa’al, o mesmo que no v.11 foi empregado no imperativo. Assim, “não pedirei” é a negativa daquilo que no v.11 foi imperativo. É bom realçar que a ordem para pedir o sinal procede de Javé, no v.11. Então o rei judaíta recusa-se a atender a ordem de Deus. No segundo verbo, o rei demonstra uma piedade que mascara sua rebeldia: “e não tentarei Javé”.  De fato, no Antigo Testamento, tentar Deus é uma falta grave, e aquele que incorre em tal pecado é severamente punido (Nm 14.22; veja Êx 17.2,7; Dt 6,16). Mas não se deve pensar que Acaz estava preocupado com esta advertência do Antigo Testamento. Pois, como já vimos, foi o próprio Deus quem ordenou o pedido do sinal. Na verdade, o rei disfarça sua incredulidade por uma piedade, que, na verdade, é pervertida; na realidade, Acaz queria confiar mais na provisão da Assíria do que em Deus (2Rs 16.5-9). “Pela letra o rei é um bom teólogo e deveres piedoso, mas tudo isso no espírito e na hora errados.” No dizer de Lutero, “…onde Deus manda arriscar, temos que arriscar. Pois obedecer à palavra, não é tentar a Deus”.

Os v.13-17 respondem à incredulidade de Acaz. Percebe-se, no v.13, que a fala de Isaías dirige-se especificamente à “casa de Davi”. Ou seja, a palavra profética mira um setor especifico de Judá: o rei e sua corte. O verbo “cansar/fadigar”, tradução do hebraico la’ah, repete-se nas duas últimas frases do v.13: 
       

Pouca coisa é cansardes os homens que cansareis também o meu Deus?

A incredulidade da “casa de Davi” não somente afrontou ao profeta Isaías (“os homens”), mas especialmente o Deus de Isaías (“o meu Deus”).
Já que Acaz recusou a pedir o sinal de Javé para Javé, então o próprio Javé (Adonay) daria um sinal para Acaz. Estamos no v.14. Há uma introdução (v.14a). Seguem-se três frases (v.14b). Na introdução, lemos: Por isso Adonay dará para vós um sinal. A palavra laken “por isso” é uma partícula adverbial de causa. Nos textos proféticos, ela é comumente usada para expressar um anúncio de ruína, depois das razões da ruína já terem sido apresentadas (Is 1.24; 5.13; 8.7; 30.13; Mq 3.12; Jr 11.21-22; etc.). Então, pelo início do v.14, percebe-se que o conteúdo a ser expresso na sequencia será de juízo. A razão já foi apresentada no v.13: Acaz, recusando-se a ‘tentar’ Deus (v.12), na verdade, tentou Deus, pois sua piedade pervertida confrontou Deus. O objeto da palavra divina é Acaz e sua corte: lakem “para vós”. Portanto, o v.14 contém uma palavra de juízo sobre a dinastia de Davi.

No v.14b, lemos três frases: 

    Eis que a jovem está grávida, 
    e dará à luz um filho,
    e chamará o seu nome Emanuel.

A primeira frase inicia-se com a partícula hebraica hinneh “eis”. Essa palavra é uma ‘flecha’ que indica a personagem apresentada na sequência: ha-‘almah “a jovem”. A palavra hinneh é como um dedo indicador apontando para “a jovem”. Portanto, essa “jovem” está presente quando Isaías proferiu essas palavras. Não se trata de uma personagem inexistente, que ainda viria. Quando Isaías pronunciou hinneh “eis”, Acaz e sua corte olharam para “a jovem”, que “está grávida” (o verbo harah está no perfeito, e expressa uma ação já concluída). 

A tradução da palavra hebraica ‘almah propicia acaloradas discussões teológicas. O termo “virgem” procede da versão grega (Septuaginta), que traduziu ´almah por partenos “virgem”. É verdade que alguns dicionário hebraicos sugerem a tradução “virgem” para ‘almah. Afirma-se que não há ocorrência pela qual possa ser provado que a palavra designa uma mulher que não é virgem.  Segundo essa ideia, em alguns textos do AT a palavra ´almah refere-se a virgens: por exemplo, Gn 24.43; Ex 2,8; Ct 6.8. No entanto, parece-me que a palavra usada nos dois primeiros textos simplesmente significa “moça”. Em Gênesis 24, ‘almah é sinônimo de na’ara, uma palavra que significa “moça”: nos versos 14, 16 e 28 usa-se a palavra na’ara, ao passo que no v.42 usa-se ‘almah, e este verso claramente é paralelo ao v.14. Ademais, há uma palavra específica para se referir à “virgem”, em Gênesis 24.16: betulah. Quanto a Cântico do Canticos 6.8,  ‘almah pode ser tradudiza por “virgem”, já que se diferencia de “concubinas”. Mas isso não prova que ‘almah sempre deva ser traduzido por “virgem”, com já notamos em Gênesis 24.
   
Portanto, ‘almah significa “mulher jovem”, ainda sem filhos, mas não necessariamente virgem, já que podia ser recém-casada. “Essa palavra hebraica não se refere à virgindade da ‘moça’ ou ‘jovem mulher’, mas à sua juventude.”

Quem seria esta jovem? É notável que a jovem mulher seja especificamente identificada. Pois o artigo precedente ao substantivo ‘almah tem uma função demonstrativa, significando, portanto, “esta mulher”. A mulher está presente no diálogo entre Isaías e Acaz. Para uns, a jovem mulher seria a esposa de Acaz e o menino seria Ezequias, o substituto de Acaz no trono davidita. Mas esta interpretação não se encaixa à informação de 1Rs 18.2: Ezequias assumiu o trono em 716 a.C., com vinte cinco anos de idade; a profecia de Isaías 7.14 foi proferida em 734 a.C., quando Ezequias já tinha aproximadamente seis anos. Para outros estudiosos, a ‘almah é a esposa de Isaías. Esta afirmativa é corroborada pelo v.14b, no qual evidencia-se o distanciamento entre a profecia de Isaías e a corte de Acaz, e o Emanuel representa os fieis (entre os quais o profeta e sua família se incluem) que esperam o livramento do Senhor. 

As duas últimas frases do v.14b referem-se ao “filho”, ao ‘immanu ‘el “Emanuel”, literalmente “conosco (está) Deus”. A identificação do Emanuel no cenário de Isaías depende da identificação da “jovem”. Mas, uma coisa é certa: o nome do menino aponta certo distanciamento entre o profeta Isaías e a corte de Davi representada pelo rei Acaz. Deus está conosco, Isaías diz.. O problema é que o Deus de Isaías não é mesmo Deus de Acaz.. Deus, na concepção de Acaz, era impotente, incapaz de livrar Judá das mãos dos reis da Síria e de Israel. Em contrapartida, para Isaías, Deus é poderoso para tal livramento, e fiel para executar o que prometeu. Por isso, na última frase do v.13, o profeta, dirigindo-se a Acaz, chama Javé de “meu Deus”. A profecia do Emanuel distancia-se da incredulidade, e aloca-se ao lado daqueles que aguardam o livramento de Javé. Então, a ‘almah não está no palácio, mas entre aqueles que confiam em Deus, diferentemente de Acaz e sua corte que confiam no militarismo assírio.  A “mulher jovem” pode ser identificada com a “profetisa”, a esposa de Isaías (Is 8.3). Os “filhos” da profetiza e de Isaías tornaram-se “sinais e símbolos em Israel da parte do Senhor dos Exércitos” (Is 8.18).

O v.15 descreve um tempo de escassez material. O Emanuel comeria “coalhada e mel”. Alguns intérpretes acreditam que tais alimentos aludem a um tempo de abastança. De fato, coalhada e mel para os antigos nômades da Palestina significavam fartura. Mas, considerando-se que a palavra isaiana dirige-se àqueles que estão no palácio, acostumados com abundância de alimentos mais desejáveis do que a coalhada e o mel, então pode-se inferir-se que a profecia isaiana aponta a um período de escassez. Como já notamos, o sinal de Deus para Acaz expressa o juízo sobre a casa de Davi. Isso é melhor esclarecido nos v.16-17. Mas, o v.15b assevera que esse tempo de racionamento alimentar duraria até que, no Emanuel, surgisse a consciência ética de discernir entre o mal e o bem. Isso aconteceria quando o menino tivesse aproximadamente doze anos (mas não é um período exato de tempo). 

Esse período (aproximadamente 12 anos) seria marcado pela escassez de alimentos, bem característicos em período de guerra. Mas quando o Emanuel se tornasse um ‘rapaz’ capaz de discernir entre o mal e o bem, os inimigos de Acaz, os reis da Síria e de Israel, seriam derrotados.   

O v.16 explicita o que aconteceria, quando o menino soubesse rejeitar o mal e escolher o bem: será abandonada a terra, diante de cujos dois reis tu te apavoras. A profecia de Isaías foi proferida em 734 a.C. De fato, em 732, a Assíria subjugou Damasco, e em 722 Samaria caiu mediante o poderio assírio. Assim, Isaías, e o próprio Emanuel, contemplaram a queda dos dois reinos que ameaçavam Judá. O Emanuel já teria a capacidade de discernir entre o mal e o bem; teria, portanto, a capacidade de entender a ação de Deus na história do seu povo, e perceberia assim o mal da incredulidade e o bem da confiança em Javé.

Mas há ainda um último aspecto do “sinal”, no v.17. Trata-se da vinda do “rei da Assíria” contra a dinastia de Davi (“sobre ti”/ “sobre o teu povo” / “sobre a casa do teu pai”). O rei Acaz, diante da ameaça de invasão dos reis da Síria e de Israel, preferiu confiar em Tiglate-Pileser, rei da Assíria, a confiar na provisão de Javé prometida através de Isaías. De fato o rei assírio livrou Judá da ameaça (2Rs 16.5-9). Mas logo o aspecto salvador de Tiglate-Pileser se revelaria como perigoso para Judá. Em 701, a Assíria arrasou as terras de Judá, apesar de não ter conseguido entrar em Jerusalém (Mq 1.9-16; Is 22). 

Portanto, pode-se resumir assim o “sinal” de Deus para o rei Acaz:

– o nascimento de um menino, expressando juízo para a casa de Davi e esperança para aqueles que confiam em Javé;
– um período de escassez experimentado pelo menino;
– destruição dos inimigos da casa de Davi.

5. Significado hermenêutico do Emanuel
Mas afinal, “a jovem” mencionada em Isaías 7.14 é uma personagem histórica do século 8 a.C. ou é Maria, mãe do Senhor? O Emanuel é um personagem histórico contemporâneo ao profeta Isaías ou é Jesus?

O Emanuel tem duplo sentido. Um, restrito à época do profeta do século 8. Outro, aplicável a Jesus. Ou, em outros dizeres, a profecia de Isaías se cumpriu em dois estágios. O primeiro, diz respeito à época do profeta. O Emanuel nasceria num curto período de tempo (7.15-16). Mas, num segundo estágio, a profecia de Isaias se cumpriu definitivamente em Cristo, conforme relatou o evangelista Mateus (Mt 1.23). Mesmo que o Emanuel fora um personagem contemporâneo a Isaías, Mateus não estava errado ao afirmar que, com o nascimento de Jesus, se cumprira a palavra do profeta. Mateus era judeu, e, “familiarizado com o método hermenêutica dos rabinos, ele se vale da tipologia, a prática de ver um evento ou uma pessoa como tipo de outro evento ou uma outra pessoa.”

Aqueles que confiavam no poder libertador do Senhor, como Isaías e sua esposa, foram protegidos do ataque siro-efraimita. E Deus mantém-se fiel “nos tempos de angústia que se seguem, até que culminem no nascimento de Cristo”.

Nesse ponto, é importante notar o que diz Gerhard van Groningen:
 
“A virgem, que era um sinal para Acaz, foi um cumprimento inicial no sentido de que foi uma precursora ou, mais precisamente, um tipo de Maria. Esta, ao dar o nascimento de Jesus, realizou completamente o que tinha sido uma realização incompleta, embora real. Considerando que Isaías profetizou a respeito do nascimento de Jesus como o cumprimento seguro e completo da promessa de Yahweh a Davi (2Sm 7.12-16), o sinal de Acaz a respeito da virgem e seu filho era um estágio necessário no desenvolvimento do plano de Yahweh quando a casa de Davi esteve sob uma severa ameaça de extinção.”

O comentário de Lohfink também é oportuno: 

“Naturalmente, só se pode dizer a última palavra quando se reconhece o pressuposto de Mateus, quer dizer, que Jesus de Nazaré é aquele que tinha sido esperado pelos séculos. Já de início, Isaías tinha querido dizer apenas uma só coisa! Deus permanecerá fiel às suas promessas feitas à dinastia de davídica. Mateus queria dizer exatamente uma só coisa: Deus permanece fiel às suas promessas feitas à dinastia davídica. E assim ele diz, precisamente, que a palavra do profeta foi realizada em Jesus de Nazaré.”

Conclusão 
O Emanuel referido em Isaías 7.14 é um tipo, um anúncio do Cristo que viria. Do mesmo modo, “a jovem” é uma profecia referente não somente à mãe do Emanuel contemporâneo de Isaías, mas à Maria, mãe do Senhor. Por um lado, a profecia isaiana refere-se a acontecimentos a serem cumpridos em curto prazo, na época do profeta. Por outro lado, certamente a profecia não se esgota com os acontecimentos envolvendo Judá oito séculos antes de Jesus.

Assim, talvez não devêssemos simplesmente perguntar se a palavra ‘almah pode ou não ser traduzida por “virgem”, em Isaías 7.14. Deveríamos perguntar em que sentido esse termo hebraico deve ser traduzido. No sentido exegético, a tradução “a jovem” é preferível. Mas, hermeneuticamente, interpretando o Antigo Testamento na perspectiva do Novo Testamento, “virgem” torna-se uma tradução também aceitável de Isaías 7.14, no contexto das expectativas messiânicas que os judeus alimentavam quando o filho de Maria nasceu em Belém da Judéia.  Por isso, ambas as traduções, “a jovem” e “a virgem”, são admissíveis.  

Há ainda outro aspecto deveras importante na promessa da vinda do Emanuel. O Emanuel, para a casa de Davi, simboliza tanto a esperança quanto o juízo. É esperança, porque Deus promete a destruição das nações que se levantam contra a dinastia escolhida para trazer o Messias ao mundo. É juízo, porque a dinastia, em seu aspecto político e espiritual, na pessoa de Acaz, decidiu-se pela incredulidade. Mas com o juízo, a esperança retorna novamente. O nascimento do Emanuel, apesar de denotar a ameaça de Deus contra Acaz, também reafirma as promessas do Senhor outrora feitas a Davi. Afinal, o reino de Davi haveria de ser eterno (1Sm 7). Por isso Deus não permitiria, em hipótese alguma, o aniquilamento da dinastia de Davi, planejado por Rezim e Peca (Is 7.3-9). A monarquia de Davi haveria de continuar até o advento do Messias, em cumprimento à promessa divina que dizia: “teu trono será estabelecido para sempre” (2Sm 7.16).

“As ameaçadoras palavras de Acaz são também palavras de promessa. A casa de Davi continuará. O sinal é uma profecia para então, para o futuro próximo e também para o futuro distante. Yahweh continuará a ser o Deus fiel mantenedor do pacto. Ele continuará a estar com o seu povo. A casa de Davi não será extinta.”

Portanto, o Emanuel de Isaías 7.14 rompe com a dinastia de Davi em seu aspecto político e militar. Na verdade, o nascimento do menino anuncia ameaça e ruína para aqueles reis que confiam no militarismo. De fato, o Messias do Novo Testamento, embora da linhagem de Davi, nenhuma relação tinha com a ética da corte davidita do Antigo Testamento compromissada com políticas que afrontavam Deus. Por isso, o Rei dos judeus, em sua vivência na Palestina, dizia: “meu reino não é deste mundo”.

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