O assunto do desarmamento e porte de armas invadiu a pauta da sociedade brasileira. Um assunto que na maioria das vezes esteve restrito às lideranças políticas e aos círculos de especialistas em segurança pública, de repente invadiu a arena e tem produzido discussões acaloradas. Em parte, isso é o resultado da recente politização da população, que tem trocado o interesse pelo futebol pelas discussões pelos assuntos políticos da nação. Por esse motivo, como geralmente acontece, a igreja é chamada a se manifestar. O que se pode dizer sobre isso, dentro de uma perspectiva cristã?
QUESTÕES A CONSIDERAR
Por nossa herança pacifista, rejeitar
o uso de armas é reação imediata. Cristianismo e armas de fogo não combinam.
Simples assim.
No entanto, algumas perguntas tem
provocado muita reflexão: A quem interessa o desarmamento da população? Por que
muitos, inclusive cristãos, tem se posicionado contra do desarmamento? O
Estado, mesmo que quisesse, poderia proteger a população? Se não pode, então, o
que fazer? O aumento de homicídios no Brasil não justificaria os cidadãos
armarem-se para salvar suas famílias? O cristão, como cidadão, deve sempre se
opor ao porte de armas?
A ideia deste texto não é definir,
mas apenas colocar na mesa os pontos que envolvem as Escrituras e o porte de
armas.
A BÍBLIA, ARMAS E O CIDADÃO COMUM
É óbvio que a Bíblia não falará de armas de
fogo, pois tais instrumentos não existiam nos tempos bíblicos. No entanto,
espadas, lanças, flechas e outras “armas brancas” eram comuns. Creio que ao
lidarmos com o porte de armas podemos fazer um paralelo entre as armas dos
tempos bíblicos e as armas que dispomos atualmente. Não se trata do tipo de
arma, mas se essas podem ser usadas por civis como instrumento de defesa
pessoal. Que princípios podemos extrair das Escrituras a respeito desse tema
que nos ajude a navegar no mar das opiniões? Que lado da questão nos compete?
O primeiro ponto a ser considerado é
que esse debate não nasceu da interpretação de alguma passagem bíblica. É uma
discussão, à princípio, da esfera da cidadania, do relacionamento entre o
governo e os governados.
No Brasil, o tema começa a emergir em
2005, quando ocorre o plebiscito sobre o porte de arma. A pergunta a ser respondida
era: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. A
expectativa era que a resposta do brasileiro fosse um sonoro “sim”. Nosso pacifismo tendia para isso. Surpreendentemente quase 64% da população foi
contra a proibição. E ainda que na prática o porte de arma tenha se tornado
extremamente difícil, esse fato passou a provocar inúmeros debates.
A verdade é que com a internet e as
redes sociais, na época, principalmente o email, as informações e discussões
saíram da esfera da inteligência e chegou às massas. E
inúmeras perguntas e afirmações começaram a circular. Por que esse interesse
tão grande em desarmar a população? Por que a cultura de massa constantemente
inseria o tema em seus roteiros, super dimensionando os acidentes com armas de
fogo? E que garantia havia que os criminosos, na mão de quem as armas eram de
fato perigosas, não se aproveitariam de uma população desarmada? Os governos
totalitários como nazismo e comunismo haviam desarmado a população antes de
assumir o poder absoluto. Não seria isso que estava acontecendo? Uma população
desarmada é uma população refém, seja de criminosos, seja de um governo
inescrupuloso.
O QUE DIZ O ANTIGO TESTAMENTO
Qualquer pessoa que leia o Antigo
Testamento, seja a lei mosaica, sejam outros escritos, perceberá que a questão
de portar armas para defesa de si ou da família era encarado como atitude
normal. Até mesmo em defesa da propriedade (Êxodo 22.2) ou vingando um
homicídio (Números 35.27) aquele que matava essa pessoa era inocentado.
A defesa pessoal, fosse da
propriedade, da família e mesmo da própria vida era visto como uma
justificativa mais do que justa para que o indivíduo se armasse. É o que vemos,
por exemplo, no caso de Neemias, cujo contexto era de fragilidade e
vulnerabilidade. O fato dele, como governador, ser incapaz de atender a demanda
por proteção, fez com que ele exortasse toda a população a se armar e lutar por
sua segurança.
‘Pelo que pus guardas nos lugares baixos por detrás do muro e nos altos;
e pus o povo, pelas suas famílias, com as suas espadas, com as suas lanças e
com os seus arcos. E olhei, e levantei-me, e disse aos nobres, e aos
magistrados, e ao resto do povo: Não os temais; lembrai-vos do Senhor, grande e
terrível, e pelejai pelos vossos irmãos, vossos filhos, nossas mulheres e
vossas casas’. (Neemias 4.13, 14)
‘Os que edificavam o muro, e os que traziam as cargas, e os que
carregavam, cada um com uma mão fazia a obra e na outra tinha as armas os
edificadores cada um trazia a sua espada cingida aos lombos, e edificavam’; (Neemias 4.17, 18)
… cada um com suas armas ia à água (Neemias 4.23)
A verdade é que o desarmamento da
população foi uma das estratégias usadas pelos filisteus para manter o povo de
Israel subjugado. Não permitia que houvesse ferreiros entre eles para dessa
forma impedir a criação de armas, mantendo-os cativos (1 Samuel 13,19). O
caráter belicoso do contexto vétereotestamentário faz do uso de armas um lugar
comum. Para aquela cultura era natural possuir armas e defender-se com ela caso
necessário.
O QUE DIZ O NOVO TESTAMENTO
Como sob certos aspectos o Novo
Testamento se sobrepõe moralmente ao Antigo é comum se buscar uma reprovação do
porte de armas em suas páginas. Todavia, o máximo que poderemos extrair é
orientação pessoal para que o cristão não se vingue e nem retribua o mal com o
mal.
Aqueles que pensam ter apoio para a
proibição de porte de armas baseados no sermão da montanha se enganam
completamente. Se o sermão da montanha fosse adequado para conduzir a
legislação de um país, semelhante à sharia islâmica, então seria uma legislação
muito estranha. Pois nesse caso teríamos de ter uma lei obrigando a entregar
ainda mais pertences durante um roubo e a se sujeitar a mais agressões depois
de agredidos (Mateus 5.38-40). É óbvio que essa não era a intenção do sermão,
que servisse de base para legislações civis.
Mesmo que cristãos aplicassem
literalmente tais preceitos a qualquer situação, ainda assim seria inapropriado
obrigar toda uma sociedade a viver dessa forma! É preciso compreender que o
Novo Testamento não inclui um código de legislação civil como acontecia com a
lei mosaica. Portanto, nossa disposição para sofrer o mal nada tem em comum com
a questão da permissão do cidadão de defender-se em quando atacado.
Ainda é necessário considerar que o
uso de armas por parte das autoridades é plenamente sancionado pelo Novo
Testamento e não há nenhuma menção de que um cristão revestido de autoridade
deva estar menos armado que um não cristão revestido dessa mesma autoridade.
João Batista exortou aos soldados apenas que não usassem de violência gratuita
e não se deixassem corromper pelo suborno (Lucas
3.14). O uso da espada pelas autoridades foi compreendido como parte da
ação divina na delegação de autoridade aos governos constituídos (Romanos 13.1-7). A conversão do
carcereiro não parece ter levado o mesmo a abandonar seu trabalho e seu uso de
armas (Atos 16.27-36).
Temos da parte de Jesus um momento
muito peculiar quando ele mesmo ordena aos seus discípulos que adquiram uma
espada:
‘Disse-lhes, pois:
Mas, agora, aquele que tiver bolsa, tome- a, como também o alforje; e o que não
tem espada, venda a sua veste e compre-a; porquanto vos digo que importa que em
mim se cumpra aquilo que está escrito: E com os malfeitores foi contado. Porque
o que está escrito de mim terá cumprimento. E eles disseram: Senhor, eis aqui
duas espadas. E ele lhes disse: Basta’. (Lucas 22.36-38)
Sobre essa passagem comentou Champlin
Outros intérpretes creem que durante
aquele período de grande tensão mental, por causa das diversas ameaças dos
líderes civis e religiosos a ecoar em seus ouvidos Jesus permitiu que se
tomassem algumas medidas de proteção física em favor de seus seguidores, razão
porque permitiu ou recomendou espadas
De igual modo, o judeu messiânico
David Stern assim comenta a respeito dessa passagem:
Desta vez os discípulos ainda serão
protegidos, mas as circunstâncias mudariam. A prudência e as considerações
práticas desempenhariam um papel mais importante: capas, bolsas e espada romana
eram o equipamento padrão, especialmente na estrada, onde salteadores representavam
uma ameaça à vida.
Alguém pode alegar que Jesus
repreendeu a Pedro por ter usado a espada contra o servo do sumo sacerdote e
que naquela ocasião Jesus disse a ele que quem fere com a espada com a espada
será ferido. Todavia, não se pode negar que Pedro tinha uma espada (João 18.10) e que esse simples fato
demonstra que não houve nenhuma proibição por parte de Jesus nesse sentido. Era
impossível que Ele não o soubesse ou que sabendo não o proibisse fosse esse o
caso.
PONTOS A PONDERAR
Quando se fala em porte de arma muitos cristãos pensam que isso obrigada
a todas as pessoas a portar uma arma. É óbvio que não. Os que defendem o porte
de arma entendem que isso está relacionado à liberdade dos cidadãos. Ninguém é
obrigado a possuir uma arma, mas não pode ser proibido de possuir uma. Isso é
liberdade.
Alguns acreditam que isso é uma incitação à violência. Todavia, a
ausência do porte de armas para cidadãos comuns tem motivado a violência por
parte de criminosos que sabem que terão pouco resistência. Com certeza a arma
na mão de um criminoso está destinada a finalidades diferentes das armas nas
mãos de cidadãos de bem.
O maior argumento usado diz respeito ao mau uso dessas armas, mesmo nas
mãos de um cidadão de bem. Suicídios, acidentes domésticos, atos violentos em
momentos de conflito e ira. Sem dúvida alguma que todas essas ocorrências são
possíveis. Todavia, esses fatos já ocorrem sem as armas de fogo e não significa
que vão piorar com o porte das mesmas. No entanto, é preciso o perigo da
ousadia dos criminosos, um perigo certo para a população desarmada, muito mais
certo e muito mais letal do que outros perigos que o porte de armas pode
produzir.
Nada obriga um cristão a portar uma arma ou ferir uma pessoa. Todavia,
qualquer pessoa coerente se sentiria culpada de não proteger sua família caso
pudesse fazê-lo. Jamais veria isso como violência gratuita. Apenas uma forma de
cumprir seu papel como homem, como cidadão, como pai.
O fato é que se o governo proíbe a possibilidade dos cidadãos de
defender a si mesmos, então tem o dever de garantir a eles segurança plena. E
caso não seja capaz de proteger os bens e mesmo a vida de seus cidadãos, então
cabe a ele indenizar a todos por roubos ou qualquer danos à sua vida. Essa é a
lógica. Proibir alguém de defender-se e abandoná-lo à mercê de pessoas bem
armadas e mal intencionadas não é governar, é oprimir.
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