sábado, 1 de junho de 2019

DEUS CRIOU O MAL?


DEUS CRIOU O MAL? | ISAÍAS 45:7

Será que Deus criou o mal? Que Ele é bom nós já sabemos. Entretanto, há uma corrente de pensamento no mundo Cristão, de que Deus teria criado tanto o bem, quanto o mal, e que isso seria um “tipo de prova” da Sua soberania. 
Esse pensamento tem sua origem em um dos textos (também) mais mal interpretados da Bíblia, Isaías 45:7. É nele que aparecem as palavras “e crio o mal“. Vamos ver esse verso na sua integridade, para depois podermos fazer algumas considerações a partir do seu original em Hebraico Bíblico. Vamos descobrir a natureza do “mal” criado por Deus!
“Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas”. Isaías 45,7

A Bíblia diz que Deus criou tudo para ser bom. Quando Deus criou o bem, surgiu a possibilidade do mal, porque o mal é a ausência de bem. Isso não significa que Deus faz o mal nem é responsável pela existência do mal.
A responsabilidade de um pai é ensinar ao seu filho sobre o bem e o mal e a escolher o bem. Se o filho adulto depois vai e faz o mal, a responsabilidade não é do pai, porque a escolha é do filho. Da mesma forma, Deus é bom e sempre promove o bem mas Ele nos dá liberdade para escolher entre o bem e o mal.
JOGO DUPLO?
Como vocês puderam ver, essa tradução faz parecer que Deus estaria fazendo um tipo de “jogo duplo“, onde o mesmo agente seria o responsável pelo Bem e pelo Mal. Segundo essa tradução do livro do Profeta Isaías, o Eterno teria “duas faces“, uma boa e uma má, pois faria a bem e faria o mal.
Assim o ser humano estaria lidando com a mesma pessoa, ora se apresentando como mal e ora se apresentando como a “solução” para o mal que Ele mesmo teria criado…
Mas será que é isso mesmo que está escrito naquele verso?
isaías 45:7 em hebraico
A Palavra רָע Ra’, em Hebraico, Também significa Calamidade, Infelicidade, e mesmo Castigo, para um “espírito mau“.
(RE)TRADUZINDO ISAÍAS 45,7
A primeira palavra desse verso é o verbo יָצַר “yatsar”, que significa “formar” (a partir de algum elemento ou material); e é a mesma palavra usada na formação/criação do homem. Isso vai ter implicações no entendimento da pré-existência de Jesus → a Luz do mundo. 
As demais palavras אוֹר “Or”, “luz”; וּבוֹרֵא “uvoreh”, “crio”; חֹשֶׁךְ “Hosher”, “trevas” estão bem traduzidas. Os verbos aqui estão na forma do Qotel, o Particípio Hebraico, que é diferente do Particípio do Português. O Particípio Hebraico traz o entendimento do verbo como “aquele que faz…”.
Assim a primeira palavra יוֹצֵר “Yotser” deve ser entendida como “Eu sou o formador (da luz)”. E o verbo וּבוֹרֵא “uvoreh” → “e Eu sou o criador (das trevas)“.
Depois vem o verbo “‘assah”, também no Particípio עֹשֶׂה “Ossêh”, que é traduzido no presente do indicativo “Faço”, mas deve ser entendido como “Eu sou o que faz (a paz)”. Interessante que são essas duas palavras, o verbo “fazer” e depois o substantivo “paz” que fazem o contraste com as próximas duas palavras do verso → וּבוֹרֵא רָע “uvore’ ra’ ” – literalmente traduzido como “e crio o mal“.
MAS CRIO O CASTIGO
Daí, temos três conclusões:
Primeiro – o verbo “assáh”, usado para dizer que Deus faz a paz, tem um significado implícito de ação, onde o “agente que faz” se envolve com a ação. Há um certo trabalho, planejamento, execução. Este verbo é diferente do verbo “bara‘” → “criar a partir do nada”. 
Então veja que “fazer a paz” é algo que demanda investimento de tempo e ação, de conversa e entendimento com outros seres humanos. E o contexto de Isaías 45 era de que Deus iria acabar com o cativeiro do povo de Israel, que tinha sido capturado e levado para a Babilônia.
Deus estava para começar a usar o rei Ciro, para começar a libertação do Seu povo. Deus faria a paz, derrubando os inimigos de Israel por meio de Ciro. E isso criaria uma calamidade para as nações que oprimiram a Israel, pois o juízo divino cairia sobre elas por meio da mão forte de Ciro, o rei Persa.
Assim diz o SENHOR ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela mão direita, para abater as nações diante de sua face, e descingir os lombos dos reis, para abrir diante dele as portas, e as portas não se fecharão. Isaías 45,1
Segundo – a palavra רָע ra’ também significa calamidade, adversidade, miséria, infelicidade, ou seja, não significa apenas “mal” no seu sentido “moral”, mas também no sentido “natural”, que é a consequência de nossas más ações, que se voltam contra nós mesmos – -> castigo;
Terceiro – a conjunção “e” da parte do verso “e crio o mal”, é no original a vogal hebraica וּ “tsureq” – formada pela letra “vav” com um pontinho. Essa conjunção foi traduzida como um “e” aditivo, porém deveria ter sido traduzido com um viés adversativo, “mas” – a conjunção feita com a “vav” pode significar “e” ou “mas“, e aqui o objetivo do texto é fazer um contraste entre a “paz” e a “punição”/”castigo”/”mal”.
Daí, podemos afirmar que uma das melhores opções para a tradução desse verso seria:
Eu formo a luz, mas crio as trevas; eu faço a paz, mas eu crio o castigo; eu, o Senhor, faço todas estas coisas. Isaías 45,7
Por que Deus permite o mal?
Deus permite o mal porque é uma consequência da liberdade de escolha.Nós fomos feitos à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:27). Uma características essencial de Deus é a criatividade, que implica fazer escolhas. Nós também temos criatividade e capacidade para fazer escolhas, dentro de nossos limites. Sem livre-arbítrio, você seria igual a uma pedra, que não escolhe onde vai nem o que faz.
Outras características essencial de Deus é o amor (1 João 4:7). O amor é uma escolha, Deus escolhe nos amar. Sem escolha, não há amor. Da mesma forma, nós temos capacidade para escolher se queremos amar a Deus. Mas para ter uma escolha, tem de haver no mínimo duas opções. Neste caso, as opções são amar ou não amar a Deus.
Quem ama a Deus obedece Seus mandamentos, porque sabe que Deus é bom e criou as regras para nosso bem (1 João 5:3). Deus se alegra com nosso bem. Mas nós temos capacidade para escolher não amar a Deus e quebrar as regras. As opções são: obedecer ou não obedecer a Deus; fazer o bem ou não fazer o bem. Não fazer o bem é fazer o mal. O mal é a falta de bem.
Quando as regras perfeitas de Deus foram quebradas, isso afetou o mundo inteiro. O bem de Deus não foi completamente eliminado da terra mas agora há uma luta entre o bem e o mal. Os males da natureza são um dos resultados dessa luta (Romanos 8:19-21).

Por que Deus nos deu livre-arbítrio se sabia que iríamos escolher o mal?

Deus nos criou para podermos exercer amor. Para haver amor, tem de haver a possibilidade de falta de amor. Adão e Eva decidiram fazer a escolha errada mas nem todos escolhem o mal. O bem que Deus criou é muito maior que o mal que acontece. Deus continua a promover o bem, até em situações más (Romanos 8:28). O mal é uma consequência temporária, um dia vai acabar.

Deus sabia que iríamos escolher o mal, por isso Ele criou um plano para nos dar outra chance de escolher o bem. Ele veio à terra como um homem e sofreu conosco as consequências do mal. Mas, mesmo no sofrimento, Jesus escolheu sempre o bem. Ao sofrer as consequências do mal sem fazer o mal, Jesus venceu o mal. Por causa de Sua vitória, Jesus entende você e pode lhe ajudar a escolher o bem (Hebreus 2:17-18).

Deus faz o mal?

Não, Deus não faz o mal mas permite que o mal seja feito. Quando a Bíblia diz que Deus traz desgraças, significa que Ele permite que aconteçam e transforma essas situações para cumprir Seus propósitos. Isso é difícil de entender porque ninguém gosta de sofrer e Deus também não se alegra com nosso sofrimento. No entanto, Deus tem sempre um propósito. Mesmo quando não entendemos o propósito, Deus está do nosso lado, partilhando nossos sofrimentos e nos ajudando a superá-los.
Ainda tem dúvida?
Veja o que os principais comentaristas da bíblia escreveram sobre esse verso:
Ele faz a paz… e cria o mal, não o mal do pecado, mas o mal do castigo.  - Matthew Henry’s Concise Commentary
Crio o mal – não o mal moral, mas em contraste com “paz”, em uma cláusula paralela, guerra. - Jamieson-Fausset-Brown Bible Commentary
…não mal do pecado… mas o mal do castigo pelo pecado. - Gill’s Exposition of the Entire Bible
Isso porque, na época do Profeta Isaías, as nações da região do reino babilônico “pisaram”, zombaram, assassinaram, e escarneceram do povo Judeu. Mas agora havia chegada a hora das consequências das más ações delas.
E os Judeus exilados na Babilônia tinham no rei Ciro, como um vingador da opressão sofrida, que o livro dos Salmos relatou com veemência:
Às margens dos rios de Babilônia, nos assentávamos chorando, lembrando-nos de Sião. […] Ó filha de Babilônia, a devastadora, feliz aquele que te retribuir o mal que nos fizeste!” (Sl 136,1.8).
Portanto, Deus não criou o “mal” moral, nem o pecado. Deus não é mau. Nem faz jogo duplo. Porém o Senhor é justo e julga e recompensa com castigo, o pecado.
Assim, sabe o Senhor livrar da tentação os piedosos, e reservar os injustos para o dia do juízo, para serem castigados; 2 Pedro 2,9
Mas algumas traduções não estão muito claras, e geram esse tipo de confusão. Não conhecer o Hebraico Bíblico pode ser um problema.
Por - Marco Antônio Lana (Teólogo Bíblico)

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