Gênesis 2,5-6 diz que “não havia ainda nenhuma
planta do campo na terra, pois nenhuma erva do campo tinha ainda brotado;
porque o Senhor Deus não tinha feito chover sobre a terra, nem havia homem
para lavrar a terra. Um vapor, porém, subia da terra, e regava toda a face
da terra.”
Gênesis 2,8-10: “E plantou o Senhor Deus um
jardim no Éden, do lado oriental; e pôs ali o homem que tinha formado. E o
Senhor Deus fez brotar da terra toda a árvore agradável à vista, e boa para
comida; e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem
e do mal. E saía um rio do Éden para regar o jardim; e dali se dividia e
se tornava em quatro braços.”
A Bíblia nos fornece poucas informações sobre as condições climáticas
pré-diluvianas. A partir de uma análise exclusivamente bíblica, portanto, não
podemos afirmar se choveu ou não antes do dilúvio. O que podemos fazer é
apresentar os argumentos em favor e contra a presença de chuva e verificar qual
parecer é o mais sustentável a partir de uma análise em conjunto de todas as
hipóteses concorrentes.
Como diz o escritor e mestre em ciências Brian Thomas,
“Reconstruir o
mundo pré-diluviano é como construir um quebra-cabeças depois que todas as suas
peças foram trituradas em um liquidificador. Contudo, Gênesis nos dá um bom
começo.”.
Abaixo apresentarei as duas posições principais acerca do tema:
1.
Argumentos contrários: “não chovia”.
A hipótese amplamente aceita é a de que subia um vapor da terra (na
forma de uma névoa suspensa) e o amplo abastecimento de água por via
subterrânea era suficiente para manter a criação regada, sem a necessidade de
chuva como a conhecemos hoje.
A seguinte descrição “Um vapor, porém, subia da terra, e
regava toda a face da terra” refere-se especificamente, no original, a
uma neblina que subia (note que não menciona a descida ou condensação). O
primeiro caso, no registro bíblico, em que se menciona especificamente “chuva
caindo” é no relato sobre o Dilúvio, mais especificamente em Gn 7,4.11-12 e Gn
8,2. Ademais, ao se analisar o termo “chuva”, traduzido tanto em Gn 2,5 quanto
em 7,4, é importante notar a diferença do tempo verbal como “não havia feito
chover” e “farei chover”, essas expressões no hebraico são expressas nos
termos HiMtir e MaMtir, respectivamente.
Para o geólogo Max Hunter, “A ‘névoa’ que regava a terra pode ter resultado da evolução lenta
da água do manto criado através da crosta fria. As Escrituras indicam que os
rios existiam, mas devido a uma provável falta de atividade de tempestade, e
porque sua origem era da ‘névoa’, as taxas de fluxo nesses rios teriam sido
extremamente regulares.”
Dr. Henry Morris (in memoriam), Ex-Professor de
Engenharia Hidráulica do Virginia Polytechnic Institute,
Blacksburg, e Presidente-fundador do Institute for Creation research,
afirma que não havia chuva e isso significaria, também, que o ciclo hidrológico
que existe hoje não fosse o mesmo daquela época. Para ele, embora a
evaporação tivesse ocorrido de um modo semelhante ao atual, não poderia ter
havido transferência em larga escala de água evaporada dos oceanos para a terra
pelos movimentos do ar, como no presente. Isso impediria a precipitação
continental. A condensação do vapor de água também requer partículas de
poeira ou outros núcleos de condensação, e estes teriam estado ausentes antes
do dilúvio.
Para o Dr. Morris,Gênesis 2,5 diz que “Deus não fez chover na terra”,
e não há indícios de que essa situação tenha sido alterada antes do tempo do
dilúvio. A rega da terra foi realizada principalmente por uma espécie de
nevoeiro terrestre, uma névoa que “se elevou”, afirma.
Ainda em relação à descrição bíblica da rega da terra, o Dr. Henry
Morris explica que, “de acordo com Gênesis 2,10, havia quatro rios que se
separavam do rio que vinha do Éden. Essas águas deveriam ter sido alimentadas
por algum tipo de nascente artesiana. Talvez grandes bolsas
subterrâneas de águas comprimidas tenham fornecido a fonte dos rios artesianos
antes do dilúvio. Parece razoável que também houvesse rios semelhantes em
outras partes do mundo. Juntamente com a “névoa” diária e a intrincada
rede de “mares” rasos, eles forneceriam água para uma vida vegetal e animal
abundantes.”
A menção ao Arco-Íris
O arco-íris é um fenômeno resultante da refração da luz, que só acontece
naturalmente, quando há chuva. Portanto, alguns entendem que o arco-íris só
apareceu após a primeira chuva que teria vindo após o dilúvio (Gênesis 9,12-13).
Porém, muitos questionam isso dizendo que isto não implica que Deus nunca
tivesse colocado um arco-íris nas nuvens antes, mas, que, a partir de aquele
momento, o arco-íris – aparecendo como costuma acontecer à medida que a chuva
está terminando –, teria como significado um lembrete especial da promessa de
Deus de nunca mais enviar uma inundação.
O astrofísico Dr. Hugh Ross nos diz que a discussão do arco-íris
como sinal de aliança (Gn 9) não implica que a chuva e o arco-íris nunca
tivessem sido vistos antes do tempo de Noé. Para ele, vale à pena notar que os
outros oito convênios das Escrituras são significados com itens ou ações
anteriormente existentes, às quais a aliança simplesmente adiciona um novo
significado.
Noé conhecia a chuva?
Noé parece entender o significado da chuva apenas quando Deus a menciona
em Gênesis 7,4-5 e, talvez, por isso, quando Noé anuncia o motivo da construção
da arca e afirma que Deus mandaria chuva dos céus, este seja o motivo de o povo
não acreditar em sua pregação.
Ademais, em Hebreus 11,7 vemos que: “pela fé Noé, sendo advertido
de Deus das coisas ainda não vistas, movido com medo, preparou uma
arca.”. Alguns afirmam que “coisas não vistas” poderiam significar “chuva”,
implicando que ninguém havia visto chuva antes do dilúvio de Noé. No
entanto, outros vêem essa passagem mais provável referindo-se à grande
inundação global – certamente algo ainda não visto e não imaginável por
ninguém.
Dossel ou canopla de água ao redor do planeta?
Com base em alguns versos indiretos, muitos criacionistas entendem a
existência de um dossel de vapor d’água que envolvia a terra até a primeira
chuva cair durante o dilúvio. Gênesis 1,7 diz: “Fez, portanto, Deus o
firmamento [atmosfera] e separou as águas estabelecidas abaixo desse limite
[lençóis d’água, oceanos, rios], das que ficaram por cima [dossel].”.
O Dr. Morris explica que “o fato de que a luz do sol, a lua e as
estrelas brilhavam (Gn 1,15-17), indica que as águas superiores estavam na
forma de vapor de água, não gelo ou nuvens. O vapor de água, é claro, é
invisível e, portanto, totalmente transparente.” Porém, esse dossel, que agora
entendemos não ser muito espesso como se pensava anteriormente, desabou durante
o dilúvio. Gênesis 7,11 afirma que “as comportas do céu se romperam”,
confirmando-nos a idéia de um certo volume de água que estava anteriormente
suspenso e recluso, até que rompeu-se e precipitou toda a água armazenada de
uma só vez.
É sabido que a hipótese do dossel era usada antigamente para defender a
idéia de que “toda a água” do dilúvio teria vindo dessa camada de vapor.
Hoje essa idéia já não se sustenta mais e essa visão tornou-se dogma para
muitos cristãos, especialmente devido o fato de o dossel não suportar [em
modelagens matemáticas] a quantidade de água necessária para se cobrir todo o
globo com uma inundação. Apesar de a hipótese da quantidade de água condensada
nesse dossel ser um tópico à parte, fato é que a Bíblia realmente nos
fornecesse indícios da existência de uma canopla de água, embora não mencione a
sua dimensão.
Conforme diz o cientista atmosférico Dr. Larry Vardiman, “não
acredito que existisse [chuva], pelo menos perto do jardim do Éden. Mas apenas
o tempo dirá se os esforços de modelagem são bem sucedidos no suporte de um
dossel antes do dilúvio. Se a modelagem não for bem sucedida, a chuva
provavelmente caiu antes do dilúvio, pelo menos longe do Jardim do
Éden. Independente de qual explicação seja a mais coerente, a precisão da
Bíblia não está em questão. Qualquer combinação desses modelos seria
consistente com o relato bíblico, ou talvez um conjunto alternativo de
condições, que ainda não descobrimos, tenha conduzido o clima pré-diluviano.”
2.
Argumentos favoráveis: “sim, chovia”
Aqueles que não aceitam a hipótese de que “o vapor que subia da terra”
seria suficiente para regar toda vegetação afirmam que Gênesis 2 seria
principalmente um resumo detalhado do sexto dia da semana da Criação. Isto diz,
tomando por base Gênesis 2,5-6: “Porque ainda o Senhor Deus não tinha feito
chover sobre a terra (…)”. Logo, o que parece que o verso diz é que,
naquele momento em que Deus foi criar Adão, as plantas não haviam ainda brotado
porque ainda não havia chovido, mas uma névoa subia da Terra. Chega a dar a
impressão de que choveu depois, já que as plantas eventualmente brotaram.
Fato é que o verso é silencioso sobre se houve ou não chuva subsequente
nos 1.656 anos antes do dilúvio. Além disso, embora esse “vapor” ou “névoa”
fosse provavelmente à fonte de rega para essa vegetação também ao longo do
restante da semana da Criação, o texto não exigiria que não houvesse chuva
depois que a mesma acabasse ou que tal mecanismo fosse a única fonte de água
após a criação de Adão.
Para o astrofísico Dr. Hugh Ross, “Gênesis 2,6 vem depois de uma
ruptura de pontuação no hebraico e parece referir-se a um tempo posterior
quando Deus causou “névoa” […] para regar o solo. Aparentemente, o terreno
neste ponto precisava de rega para sustentar a flora e a fauna. A palavra
hebraica utilizada para “névoa” neste verso é ‘ed. Sua tradução
normal é “névoa” ou “vapor”, como em uma neblina.”.
Entretanto, segundo o astrofísico, “tecnicamente, tanto a névoa
quanto o nevoeiro se qualificam como chuva. Névoa, nevoeiro e chuva, todos
se referem a gotas de água líquida na atmosfera. A distinção reside no
tamanho das gotas, e essa distinção é imprecisa.” Além disso, Dr. Hugh Ross
acrescenta evidências de chuvas pré-diluvianas ao observar que “os geólogos
apontam para depressões em depósitos de arenito bem datados, depressões
causadas por queda de gotas de água líquida. Esses padrões de impacto de
gotas mostram que os pingos de chuva de todos os tamanhos que vemos hoje caíram
durante as últimas eras geológicas, incluindo eras antediluvianas.”
Outro ponto levantado a favor da existência de “chuva pré-diluviana” é o
de que Deus lançou para fora do jardim do Éden o homem por causa do pecado, do
erro, agora o homem teria que trabalhar, lavrar a terra (Gn 3,23-24). O homem
não está mais no jardim do Éden, logo, será que o mesmo vapor que regava o
jardim vai regar a terra a qual o homem foi lançado? Ademais, o rio que se dividia
e regava a terra no Éden estaria guardado somente lá, ou também alcançaria e
manteria a mesma função nas terras além-Éden?
Havia estações do ano bem delimitadas?
Gêneses 1,14 diz o seguinte: “Haja luminares no
firmamento dos céus, para fazerem separação entre o dia e a noite; e sejam eles
para sinais, para estações, para dias e anos.”.
Em Gênesis 8,21-22, momento após o dilúvio, Deus
promete não destruir mais a terra com água “enquanto durar a terra, semeadura e
colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite, jamais
cessarão seus ciclos naturais”.
Baseados nesses dois versos acima, muitos afirmam que a Bíblia não dá
nenhuma indicação de que as “leis da natureza” eram diferentes antes do dilúvio
em relação ao tempo presente. No entanto, para os proponentes dessa idéia,
elas deveriam ser diferentes caso não houvesse evaporação, precipitação e
refração diferencial antes do dilúvio.
Por outro lado, alguns teólogos entendem que o termo “estações” (v.14) é
uma tradução inadequada, referindo-se originalmente a um “período sagrado” ou
“festa estabelecida”. É sabido que algumas festas iniciavam com a lua nova que
indicava o inicio do mês (calendário lunisolar bíblico). Ademais, a construção
do texto (dias, meses, festas) deixa clara a relação entre as datas, festas e a
Lua e o Sol. Isso porque o termo “sinais” no hebraico, ‘owth,
refere-se a “presságios” ou “advertência”, logo, seria uma convocação para as
festas judaicas. A primeira vinda de Jesus cumpriu perfeitamente as 4 primeiras
festas do calendário hebraico. A segunda vinda vai cumprir perfeitamente as 3
últimas festas. Então, sob esta perspectiva, vemos que esse “sinal”, essa
advertência é a vinda de Jesus. Logo, Gênesis está falando que os sinais do Sol
e a Lua estão ligados a vinda de Jesus.
Já em relação a Gn 8,21-22, as traduções “verão” e “inverno” derivam dos
termos originais Qayis e Horef que significam
“período de frutas” e “período de seca”. Na tradução para o português, o
período de frutas estaria associado ao “verão” e o período de seca associado ao
“inverno”, mas não necessariamente indicariam a necessidade de “chuva”.
Ciclo da água
Outro aspecto bastante conhecido nos dias de hoje é o ciclo hidrológico.
Para os que defendem a existência de chuva antes do dilúvio, o argumento é o de
que a chuva é um componente integral do ciclo da água. O termo ciclo
da água refere-se aos processos físicos de evaporação da água,
formação de nuvens e precipitação (chuva, neve, etc.) que continuamente
reciclam o abastecimento de água no mundo. Porém, a pergunta que fica é: será
que o ciclo que conhecemos atualmente era o mesmo de antes do dilúvio?
O Prof. Everett Peterson, defende um posicionamento contrário a
esse, da “chuva”, ao conjecturar que “Deus estabeleceu um sistema de irrigação
subterrâneo em vez do atual superficial. Deveria também ter estabelecido um
método distinto para o ciclo hidrológico. De que forma? Hoje, com pressões
atmosféricas altas temos bom tempo. Há alguns anos, quando severa seca assolou
a Califórnia, as informações diziam que a sua causa era devido a uma linha de
alta pressão ao longo da costa. Se a pressão atmosférica elevada impede a
chuva, é provável então que a atmosfera original estivesse submetida a uma
pressão maior do que as máximas atuais.”
Considerações finais
Se fizermos uma análise honesta, perceberemos que não há como se provar
que existiu ou não chuva antes do dilúvio. Acredito que a insistência
nisso (e mesmo ridicularizar aqueles que pensam de outra forma) é realmente uma
perda de tempo preciosa para um assunto que, a meu ver, não tem nenhuma
implicação significativa na doutrina da Criação. Vimos aqui que há evidências
que apóiam ambas as visões. Devemos evitar ser dogmáticos, especialmente em um
assunto que, a partir de uma analise bíblica, apenas, é improvável de obtermos
uma resposta definitiva.
Nota: Texto extraído do livro Revisitando as Origens, de
autoria do mestre em Ciências Everton Fernando Alves.
Como citar:
ALVES, Everton Fernando. Chuva antes do dilúvio? In:________. Revisitando
as Origens. Maringá: Editorial NUMARSCB, 2018, p.130-137.
Referências:
1. Thomas B.
What Was the Pre-Flood World Like? Acts & Facts 2016; 45
(1). Disponível em: http://www.icr.org/article/what-was-pre-flood-world-like
2. Hunter MJ.
The pre-Flood/Flood boundary at the base of the earth’s transition zone. Journal
of Creation 2000; 14(1):60–74.
3. Morris HM.
The pre-flood world. Palestra realizada no Seminário de Criação, Springfield,
Illinois, em 8 de julho de 1968. Transcrição disponível em: http://www.creationmoments.com/content/pre-flood-world
4. Ross H.
Raining on a Misconception. Reasons to believe. (01/09/1991). Disponível
em: http://www.reasons.org/articles/let-us-reason-raining-on-a-misconception
5. Vardiman L.
Did It Rain Before the Flood? Answers magazine (01/01/2013), Disponível em: https://answersingenesis.org/bible-questions/did-it-rain-before-the-flood/
6. Peterson EH. A necessidade das camadas atmosféricas de
calor. Folha criacionista 1983; 12(28):2-11.