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quarta-feira, 19 de maio de 2021

O que significa vender a capa e comprar uma espada?

 


(1) Comecemos com algumas observações importantes: Jesus está fazendo uma comparação da situação atual que eles iriam viver em breve com a situação (passada) onde Ele próprio havia enviado os discípulos a evangelizar sem alforje, sem bolsa, sem sandálias (Lucas 22:35). A pergunta de Jesus foi: “faltou alguma coisa para vocês?”. Os discípulos reconhecem que não. Jesus passa então a mostrar que haveria uma mudança de postura a partir daquele momento: “Então, lhes disse: Agora, porém, quem tem bolsa, tome-a, como também o alforje; e o que não tem espada, venda a sua capa e compre uma” (Lucas 22:36). Temos que ter em mente ao fazer essa leitura que a prisão de Jesus estava próxima de ocorrer, bem como toda Sua via dolorosa e morte de cruz. A fala de Jesus demonstra que a vida dos discípulos, assim como a Dele, não seria fácil dali para frente. Haveriam perigos adicionais que agora justificavam ter em mãos certos recursos que ajudariam muito. 


(2) Ditas essas coisas, agora temos que responder a seguinte questão: por que Jesus mandou vender a capa e compra uma espada? Diante dessa fala de Jesus e de todo o contexto dessa passagem, temos pelo menos dois pensamentos. Vou expor cada um deles e depois iremos ponderar sobre qual se encaixa melhor, qual é mais provável. 


a) Venda a capa e compre uma espada é uma fala figurada. Os que defendem essa ideia dizem que Jesus não tinha a intenção aqui de dar uma ordem para que cada um dos discípulos vendessem suas capas (ou algo de valor que tinham) e comprassem espadas. A ideia é de que tempos perigosos viriam sobre eles assim como viriam sobre Jesus. Nesse caso, a ideia figurada de trocar uma peça de roupa necessária por uma arma de proteção indicaria que tempos muito difíceis viriam e eles precisariam ter coragem e ousadia. Os que pensam dessa forma tomam Lucas 22:38 como Jesus justamente reprovando os discípulos que haviam entendido errado Sua fala, pois foram lá e compraram duas espadas: “Então, lhe disseram: Senhor, eis aqui duas espadas! Respondeu-lhes: Basta!” (Lucas 22:38). Sendo assim, esse “basta” significaria algo como “chega dessa conversa, vocês entenderam errado o que eu disse”. Isso parece fazer sentido, já que duas espadas não seriam suficientes para a defesa de todo o grupo caso essa fosse a intenção de Jesus. Se as palavras de Jesus fossem literais, certamente deveriam haver mais espadas compradas. Além disso, o próprio Jesus censurou Pedro quando este usou a espada contra um soldado romano e cortou-lhe a orelha (Mateus 26:51-52). Se Jesus queria que eles se armassem para enfrentar situações de perigo que viveriam em breve, não faria sentido censurar Pedro por usar a espada. 



b) Venda a capa e compre uma espada era literal, mas era para cumprir a profecia. Os que defendem esse ponto de vista argumentam que o entendimento dessa fala de Jesus se encontra no verso 37: “Pois vos digo que importa que se cumpra em mim o que está escrito: Ele foi contado com os malfeitores. Porque o que a mim se refere está sendo cumprido” (Lucas 22:37). Nesse caso, a fala de Jesus para comprar espadas não teria a intenção de montar uma guarda armada de proteção, mas o fato de possuir espadas entre eles cumpriria a profecia de Isaías 53:12, onde o Messias seria visto como um transgressor. Quem defende essa ideia pensa que o verso 38, onde Jesus diz “basta” significa que duas espadas estavam de bom tamanho, ou seja, “vocês conseguiram duas espadas, já está bom”. No entanto, podemos observar que não foram espadas que fizeram Jesus ser contado com os transgressores, mas a própria prisão Dele e o tratamento que recebeu, além, é claro, de ser crucificado entre dois ladrões. 


(3) Agora dou minha opinião: Parece-me muito mais harmoniosa a primeira interpretação. A fala de Jesus sobre vender a capa e comprar uma espada me parece figurada. Essa interpretação se encaixa muito melhor em todo o contexto. Jesus usava muito esse tipo de ensino figurado para mostrar verdades difíceis. Aqui Ele mostra aos discípulos que eles deveriam estar “armados” da mesma coragem que uma espada daria a eles, já que o porte de uma arma geralmente traz certo conforto e coragem ao coração de alguém que está sofrendo algum perigo. Deveriam estar dispostos a sacrificar coisas importantes (a figura da capa sendo vendida) para ter essa grandiosa coragem que os dias seguintes iriam exigir deles. No final das contas, assim como na primeira viagem que fizeram, onde não lhes faltou nada, nessa jornada mais difícil que viveriam também não lhes faltaria o necessário vindo de Deus. As circunstâncias seriam outras, mas o cuidado de Deus seria o mesmo.


(4) Sobre o uso desse texto para a defesa do porte de armas, penso que não estava no pensamento central de Jesus tratar desse assunto de forma direta. Se o real significado de Jesus mandar comprar uma espada era algo realmente figurado e os apóstolos entenderam literalmente e compraram realmente espadas, podemos compreender em tudo isso que mesmo assim Jesus não os impediu de portar essas espadas (o que poderia ter feito), tanto que uma delas estava com Pedro, que a usou, decepando a orelha de um soldado. Mas é fato que Jesus não aprovou o uso incorreto desse tipo de recurso (na forma como Pedro fez), o que demonstra que Jesus, apesar de permitir que eles portassem espadas, tinha restrições na forma como deveriam ser usados. Tudo isso (sobre porte de armas) carece de muita reflexão, coisa que faremos mais detalhadamente em outro estudo.

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