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quinta-feira, 13 de setembro de 2012

DOUTRINA DA IGREJA - LIÇÃO 02 – A IGREJA NO NOVO TESTAMENTO



“Pois também eu te digo que tu és Pedro (pedra), e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela;” Mt 16,18

Entre todas as doutrinas, a da Igreja parece ser a mais carente de reflexão em nosso tempo. A reforma protestante no século 16 levou muitos conceitos religiosos a serem examinados pelas Escrituras. Infelizmente, a doutrina da igreja recebeu pouca atenção. Nota-se que a compreensão da natureza da igreja foi influenciada pela cultura, pela situação social, religiosa e política daquele tempo. Não proclamaram uma definição bíblica da igreja, mas se contentaram com a separação da Igreja Católica. Foram muito felizes em suas conclusões sobre temas fundamentais como a salvação, a inspiração das Escrituras, a antropologia, e outras questões centrais, mas os reformadores inexplicavelmente omitiram a eclesiologia. Cabe-me, portanto, voltar à Bíblia para definir o que faz a igreja. Considerei, nesta lição, dois aspectos básicos do assunto.

            I.      A NATUREZA DA IGREJA.

1.      Significado etimológico

A palavra empregada no NT para a igreja é ekklesia. No grego clássico, já se usava esse termo, mas nem sempre tinha conotação religiosa. A etimologia leva kaleo (chamar, convocar). Para os gregos, ess termo se referia a um ajustamento de pessoas por qualquer motivo (“Uns, pois, gritavam de um modo, outros de outro; porque a assembléia estava em confusão, e a maior parte deles nem sabia por que causa se tinham ajuntado.” At 19,32). Pelo contexto deste trecho de Atos percebe-se que não era uma reunião religiosa. Os cidadãos de Éfeso correram para o teatro sem saber qual teria sido motivo da convocação.

Está claro que o termo ekklesia não significa mais do que “assembléia”. Porém notemos que quando o apóstolo usa a frase, “Igreja de Deus” ou a “Igreja de Cristo”, ele indica que o caráter verdadeiro da igreja não está em seus membros, mas em sua cabeça. Griffiths comenta: “uma sociedade cristã, ou seja, um corpo de crentes que pertencem a Cristo, não é um corpo de cristãos (que seria apenas um grupo de pessoas), mas é o corpo de Cristo”. A cabeça, mesmo unida ao corpo, não é idêntica ao corpo. A cabeça é que dá equilíbrio ao corpo. É Jesus, a cabeça da Igreja, quem nutre o corpo para o seu crescimento e edificação (Cl 2,19; Ef 4,15-16). Esta ênfase é importante porque a maioria dos escritores católicos vê a igreja como a extensão de Cristo. As conseqüências desta interpretação mudam significativamente a doutrina de estar unido a Cristo por meio de um relacionamento pessoal com Ele, a estar ligado a uma organização chamada igreja. Estar em Cristo para um católico significa “estar na igreja” e a obediência a igreja é idêntica à obediência a Cristo.
 
2.      Os vários usos da palavra ekklesia (igreja).

  1. Igreja local

Um grupo de cristão em certa localidade (At 5,11; 11,26; 1Cor 11,18; 14,19; 28,35), às vezes se reunia em um local para adorar ao Senhor, como uma assembléia.

Paulo usa o termo também no plural, “as igrejas da Galiléia” (“Ora, quanto à coleta para os santos fazei vós também o mesmo que ordenei às igrejas da Galiléia.” 1Cor 16,1) e “as igrejas da Macedônia” (“Também, irmãos, vos fazemos conhecer a graça de Deus que foi dada às igrejas da Macedônia”. 2Cor 8,1).

Podemos depreender daí, o fato de que os pequenos grupos em casas individuais se chamavam ekklesia, e isso indicava que nem a significância da cidade, nem o tamanho numérico da assembléia determinam o emprego do termo. O que conta é a presença de Cristo entre aquelas pessoas (“Ó insensatos gálatas! Quem vos fascinou a vós, ante cujos olhos foi representado Jesus Cristo como crucificado?” Gl 3,1) e a fé que Ele alimenta nelas.

Devemos também cuidar de não nos confundir pensando que a igreja local seja apenas parte do corpo. George Ladd está certo quando afirma: “A igreja local não é parte da Igreja, mas é a igreja em sua expressão local. A congregação local é a igreja... Isso leva a conclusão de que a igreja não é concebida numericamente, mas organicamente”. Como igreja local o primeiro século celebrou o culto na compreensão de que cada comunidade era completa em si mesma. Paulo escreveu à igreja de Corinto, “não vos falta nenhum dom” (1Cor 1,7).

  1. Igreja “domestica”.

Igreja na casa de uma pessoa; muitas vezes eram pessoas ricas ou importantes (Rm 16,5.23; 1Cor 16,19; Cl 4,15; Fm 2). A “ekklesia de Deus” é o titulo certo para descrever um pequeno grupo reunindo-se em uma casa particular, assim como para referir-se à família inteira, no mundo inteiro.

  1. Igreja universal.
A Igreja universal é a comunidade cristã em sua universalidade. Nesse sentido, ela denota o corpo inteiro de crentes verdadeiros em Cristo de todos os séculos, vivos na glória. É provável que este seja o único sentido que ekklesia em Efésios (1,13; 3,10. Veja também Cl 1,18-24; Hb 12,23; Mt 16,18).

A questão em torno da Igreja universal, ou a igreja local, gera muita polêmica. Há intérpretes que negam a existência da Igreja Universal no NT. Griffiths diz: “Não devemos negar a validade do fato que a Igreja Universal é o corpo de Cristo, mas cremos que a figura do corpo é principalmente ilustração de aplicação local”. Paulo chama a atenção dos cristãos em Roma e em Corinto para o fato de que eles, como igreja local, são o corpo de Cristo.

         II.      A ORIGEM DA IGREJA.

1.      No conselho de Deus.

A carta aos Efésios, como se sabe, é toda ela uma eclesiologia. Seu capitulo 1 explica que a Igreja se originou no conselho de Deus (“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestes em Cristo; como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele em amor; e nos predestinou para sermos filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para o louvor da glória da sua graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado.” Ef 1,3-6). A igreja teve origem na mente divina, antes da fundação do mundo. Deus a tinha em mente desde a eternidade e Ele desejava manifestar, através dela, a sua graça.

2.      Historicamente.

  1. No chamado de Abraão.

Com a chamada de Abraão (“Ora, o Senhor disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. Eu farei de ti uma grande nação; abençoar-te-ei, e engrandecerei o teu nome; e tu, sê uma bênção. Abençoarei aos que te abençoarem, e amaldiçoarei àquele que te amaldiçoar; e em ti serão benditas todas as famílias da terra.” Gn 12,1-3), cria-se o conceito de uma família, um povo que goza de um relacionamento especial com Deus (como estudamos na primeira lição). Abraão foi chamado não somente para buscar uma nova pátria como para  entrar em relação pactual  com Deus. Assim, os descendentes de Abraão e os acontecimentos que se seguem na história de Israel são considerados períodos em que o relacionamento de Deus com sua Igreja se torna mais claramente manifesto. John Stott afirma: “o tema essencial da Bíblia, desde o começo até o fim, é que o propósito histórico de Deus é chamar um povo para si mesmo; que esse povo santo, separado do mundo para lhe pertencer e obedecer...” (já estudamos isso na lição 1).

  1. No Pentecoste.

Embora os cristãos tenham preservado a sua continuidade com Israel, havia algo inteiramente novo no seu conceito de ser o povo de Deus e de servi-lo. A maneira de cultuar e servir a Deus no AT era centralizado. Centralizava-se racionalmente nos judeus. Centralizava-se geograficamente em Israel, Jerusalém, o Templo e o Santo dos Santos. Centralizava-se temporalmente no sábado e em certas festas religiosas. E centralizava-se na hierarquia religiosa mediadora, pois sem os sacerdotes era ilícito oferecer sacrifícios.

Quando vemos à igreja no NT, descobrimos a extraordinária inversão desta forma antiga de servir a Deus. Ao contrario do AT, a igreja cristã é o organismo centralizado somente em Jesus Cristo e caracterizado cada vez mais no NT  por sua descentralização. O povo, o templo, o dia e, de certa forma, o próprio clero são periféricos aos propósitos centrais da igreja.

Foi Pedro quem efetuou a primeira grande ruptura com as formas do Israel antigo no Pentecostes. Doravante seria a presença do Espírito Santo que confirmaria os membros do novo Israel. Pedro foi preeminente no Pentecostes, batizou Cornélio e aos demais gentios que se achavam com ele (At 10). Mais tarde defendeu sua atitude argumentando que, visto que “caiu o Espírito Santo sobre eles, como também sobre nós, no princípio”, recusar-lhes o batismo seria “resistir a Deus” (At 11,15-17).

CONCLUSAO

Um dos mais antigos teólogos do segundo século, Irineu, Bispo de Lyon e considerado santo pela Igreja Católica e Ortodoxa, tirou essa ênfase no NT quando disse: “Onde está O Espírito de Deus, aí está a igreja e toda a graça”. George Ladd, também, comenta: “A igreja não é para ser vista apenas como uma comunhão humana, resultado de uma fé e experiência religiosa comum. Ela é mais do que isto: é a criação de Deus através do Espírito Santo”.

Marco Antonio Lana

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